Haverá poucas cidades no mundo tão completas quanto Lucerna. Em pleno centro da Suíça, esta pequena cidade com mais de 70 mil habitantes, situada a cerca de 400 metros de altitude, apresenta-se a quem chega como uma delicada urbe onde tradição e modernidade, natureza e cultura, mas também tranquilidade e descoberta se complementam num perfeito equilíbrio. Cada passo ao longo da marginal, cada subida a um miradouro ou cada travessia de uma ponte centenária conta uma diferente parte da mesma história, pelo que é uma cidade para ser descoberta com tempo, de preferência a pé, ao ritmo dos sinos das velhas igrejas e do marulhar do Lago dos Quatro Cantões (ou simplesmente Lago Lucerna). A cidade é também a porta de entrada para os Alpes Centrais, que à distância de uma curta viagem de comboio, se revelam nesta época do ano como um verdadeiro paraíso para os fãs de caminhadas na natureza – e há aqui trilhos para todos os gostos, dos mais fáceis e familiares aos mais físicos e exigentes, como tivemos oportunidade de comprovar nesta escapada de cinco dias pela charmosa Lucerna e os seus cénicos arredores.
DIA 1
Centro histórico de Lucerna
A imagem mais icónica da cidade é a Kapellbrücke, a ponte de madeira coberta mais antiga da Europa, datada de 1333. Decorada com frescos históricos e ladeada pela imponente Torre da Água, a ponte liga não só as margens do rio Reuss, mas também séculos de história e tradição, materializados numa única construção. Não admira portanto que este pitoresco monumento seja um dos mais visitados em toda a Suíça, como se percebe pelo corrupio de turistas que, misturados com os habitantes locais, tentam obter o melhor ângulo para um selfie. Quem procura um ponto de vista diferente da cidade antiga, deve no entanto subir até à Museggmauer, a muralha medieval que ainda conserva nove torres originais – quatro das quais abertas ao público. O acesso é gratuito, e o panorama que se aprecia desde o alto vale bem a subida. Depois, foi tempo de nos perdermos pelas sinuosas ruas do centro histórico, observando os velhos edifícios, todos eles exemplarmente recuperados, cruzando as diversas pontes uma e outra vez, reparando agora naqueles pequenos detalhes que apenas se revelam a um olhar mais atento.
DIA 2
Trilho Panorâmico de Rigi
A poucos quilómetros de Lucerna, com vista para o azul profundo do Lago dos Quatro Cantões e o branco eterno dos Alpes, ergue-se o Monte Rigi, também conhecido como a "Rainha das Montanhas". É aqui, a mais de 1.500 metros de altitude, que tem início um dos trilhos mais deslumbrantes – e acessíveis – da Suíça Central. Para lá chegar basta apanhar o comboio desde Lucerna até Arth-Goldau, num trajeto que dura pouco mais de meia hora. Segue-se ainda um percurso de apenas duas estações na Rigi Bahn, a mais antiga ferrovia de cremalheira da Europa, para, mais ou menos a meio, no apeadeiro de Kräbel, apanhar o teleférico até Rigi Scheidegg, onde tem início o trilho.
E se esta viagem até ao topo da montanha vale só por si, mal se começa a caminhar depressa se percebe que o melhor ainda está por vir. O percurso segue o traçado de uma antiga linha ferroviária desativada, sempre com uma inclinação muito suave, o que permite contemplar com tranquilidade um panorama desde o Lago de Lucerna, passando pelo Lago de Zug, as montanhas do cantão de Uri e até, ao longe, a majestosa silhueta dos Alpes Berneses. No entanto e apesar das vistas tão largas, ao todo são apenas 7 quilómetros de trilho relativamente plano, que ligam os picos Rigi Scheidegg e Rigi Kaltbad.
Ou seja, perfeito para caminhantes de todos os níveis, incluindo famílias com crianças ou para pessoas pouco habituadas a caminhadas alpinas. Ao longo do trilho, bancos de madeira estrategicamente colocados convidam a uma pausa contemplativa e há também vários painéis informativos que explicam a geologia, a fauna e a história desta montanha tão ligada à identidade suíça, cuja fama remonta ao século XIX, quando personalidades como Mark Twain e a rainha Victoria de Inglaterra a visitaram em busca de ar puro e das suas propriedades curativas. À chegada a Rigi Kaltbad, o regresso faz-se novamente num comboio de cremalheira montanha abaixo, até Vitznau, para se apanhar o barco em direção a Lucerna, ganhando-se, desde a água, toda uma nova perspetiva das montanhas onde ainda há pouco caminhávamos.
DIA 3
Trilho dos 4 Lagos
Se há algo que abunda na Suíça são dramáticas combinações paisagísticas entre altas montanhas e lagos de um azul glacial, mas haverá poucos trilhos que tão bem representem essa harmonia como este Trilho dos Quatro Lagos. Fica situado na região de Melchsee-Frutt, a cerca de uma hora e meia de Lucerna. Para lá chegar é necessário apanhar um comboio até Engelberg e daí o teleférico até ao lago Trübsee, situado a mais de 1700 metros de altitude, onde tem início a caminhada. Um nevão fora de tempo, no entanto, obrigou ao encerramento de parte do trilho e fez com que tivéssemos de fazer parte do caminho em telecadeira, até ao ponto mais alto, encurtando os cerca de 15 km para cerca de metade.
Desde aí iniciamos a descida até ao impressionante lago Engstlensee, sempre com vista panorâmica para a massa de água, através de um caminho de dificuldade moderada, apenas aconselhável a quem já tenha alguma experiência, muito embora não exija qualquer tipo equipamento técnico, além do óbvio (botas de caminhada ou sapatilhas de trail e roupa técnica confortável). Sempre a subir, avista-se finalmente o lago Tannensee, que dá uma inesperada imagem de serenidade ao despojamento da alta montanha. O ponto mais elevado do percurso surge pouco depois, no mítico Jochpass, quando se atingem os 2207 metros de altitude. A partir daí começa a descida até ao lago Melchsee, rodeado por pastagens e picos recortados, numa paisagem digna de postal, na qual nem falta uma pitoresca igreja mesmo junto à água. O trilho termina um pouco mais à frente, junto da localidade alpina de Melchsee-Frutt, para daí seguir de teleférico até Stöckalp, onde um autocarro espera os passageiros para os transportar até Sarnen e daí partir de comboio de volta a Lucerna. Durante a viagem de regresso não podemos deixar de concluir que, mais do que um simples trilho de montanha, o percurso dos 4 lagos é uma verdadeira celebração da natureza, que oferece a quem o percorre uma oportunidade rara de sentir o coração dos Alpes longe dos grandes centros turísticos, tendo apenas como companhia o som do vento e das cascatas.
DIA 4
Subida ao Monte Pilatus
De quase qualquer ponto de Lucerna, é impossível ignorar a silhueta imponente do Monte Pilatus. Com os seus 2.132 metros de altitude, é uma das maiores atrações da Suíça Central, não só pela imponência, mas igualmente pelas suas histórias e lendas, que incluem dragões com poderes curativos, fantasmas e até o corpo de Pôncio Pilatos, segundo a crença popular sepultado num lago desta montanha. A subida pode ser feita de várias formas: por teleférico a partir de Kriens ou pela ferrovia de cremalheira mais íngreme do mundo, com partida em Alpnachstad (a funcionar entre Maio e Novembro), mas também a pé, por um dos trilhos mais desafiantes – e íngremes – desta região alpina.
Optámos por uma opção mista, seguindo de comboio desde Lucerna até Alpnachstad, uma vila à beira do lago, de onde parte o famoso comboio de cremalheira do Pilatus, inaugurado em 1889 e ainda hoje detentor de um recorde mundial: rampas com inclinação até 48%. Em cerca de meia hora, a pequena composição vermelha rasga a montanha por túneis, ravinas e escarpas, até chegar ao miradouro do Monte Pilatus. Optámos por sair a meio e seguir desde aí a pé, pelo desafiante trilho até ao topo. Ao longo do percurso, os viajantes são presenteados com vistas panorâmicas únicas, para vales profundos, florestas sombrias e lagos distantes. Esta caminhada é apenas indicada para caminhantes com boa forma física e acostumados a trilhos de montanha.
O esforço é considerável, mas a recompensa vai chegando a cada passo, à medida que se avança, com o mundo, literalmente, a estender-se aos nossos pés. Ao longo da subida, cruzam-se florestas de coníferas, campos alpinos e finalmente as técnicas zonas rochosas que antecedem o cume, conhecido localmente por Pilatus Kulm, onde uma vista a 360º sobre os Alpes Centrais se abre aos nossos olhos, numa imagem dificilmente esquecível, pois nos dias limpos é possível avistar até 70 picos alpinos. O regresso pode ser feito igualmente a pé, pela encosta oposta, ou em alternativa através de teleférico, diretamente para Lucerna, como fizemos, para chegar a tempo de usufruir de um ameno fim de tarde numa esplanada à beira lago.
DIA 5
Em Lucerna, o lago, mais do que mera paisagem, é parte da vida quotidiana. Passear ao longo da marginal do lago é um dos passatempos favoritos tanto de locais como de visitantes e, nos dias mais quentes, muitos aproveitam para dar um mergulho, como também fizémos. A água é fresca e cristalina e há zonas próprias para banhos, muitas delas gratuitas. Pela parte da tarde, fomos até Gütsch, uma colina sobranceira à cidade, coroada por um hotel-palácio que parece saído de um conto de fadas. O acesso é feito por elevador, também ele gratuito. Lá de cima, a vista estende-se sobre os edifícios do centro histórico, o lago azul e, mais além, os sempre presentes picos alpinos, num quadro memorável que é a melhor forma de nos despedirmos – mas já com muita vontade de voltar.
Dicas Práticas
Lucerna tem ligações ferroviárias rápidas e frequentes com as principais cidades suíças. A viagem de comboio desde Zurique dura cerca de 50 minutos, sendo totalmente coberta pelo Swiss Travel Pass.
O Swiss Travel Pass é o aliado ideal para viajar na Suíça, dando acesso ilimitado a comboios, barcos, autocarros e muitos museus em todo o país. Inclui passeios de barco pelo Lago dos Quatro Cantões e dá descontos ou entrada gratuita em atrações panorâmicas como o Monte Rigi, o Stoos ou o Harder Kulm.