O Museu Berggruen, em Berlim, está em obras e isso é, provavelmente, uma grande chatice para o seu director, a sua equipa e os seus visitantes berlinenses, mas uma excelente oportunidade para os apreciadores de arte de outros países. Porquê? Ora, porque, já que vai estar coberto de tapumes e andaimes, o museu decidiu organizar uma série de exposições no Japão, China, Austrália e Europa para que apreciadores de arte de outros países tenham oportunidade de admirar algumas das suas obras. E embora, para já, Portugal não esteja na agenda, aqui ao lado, em Madrid, o Museu Nacional Thyssen-Bornemisza recebeu cerca de 50 quadros dos artistas Picasso e Klee, que podem ser vistos até ao próximo dia 1 de fevereiro.
A exposição chama-se “Picasso and Klee in the Heinz Berggruen Collection” e revela a ligação artística entre estes dois génios da arte moderna – Pablo Picasso e Paul Klee –, ao mesmo tempo que presta um tributo a Heinz Berggruen. Aquele que dá hoje o nome a um dos principais museus de arte de Berlim foi um dos mais importantes negociantes e colecionadores do século XX. Berggruen nasceu em 1914 e foi durante o seu exílio na cidade de São Francisco que se começou a interessar por pintura moderna. Regressou à Europa, depois da Segunda Guerra Mundial e, em 1948, abriu a sua primeira galeria, em Paris, dedicando-se à aquisição de obras importantes, provenientes de colecções prestigiadas, e atraindo como clientes grandes mecenas da arte moderna.
A partir de 1980, passou a dedicar-se exclusivamente à coleção de obras de mestres do século XX, sobretudo Picasso e Klee, os seus favoritos, que descreveu nas suas memórias como “os dois criadores fundamentais da primeira metade do nosso século”. Em 2000, sete anos antes da sua morte, a sua extraordinária coleção foi adquirida pelo governo alemão, dando origem à criação do Museu Berggruen, integrado na Nationalgalerie. Assim se cumpriu o desejo de Berggruen, que queria não só ver a sua coleção conservada, mas também que fosse partilhada com o grande público.
Mas que ligação artística é esta que existe entre Picasso e Klee? Afinal, os dois artistas tinham personalidades muito diferentes: o primeiro, mais terra-a-terra, exuberante, sulista e sensorial; o segundo, mais introspectivo, nórdico, espiritual e intelectual. Ainda assim, havia um interesse mútuo no trabalho um do outro, e os seus processos criativos e obras revelam inúmeras semelhanças. Partilhavam um espírito de experimentação, uma grande facilidade no desenho, interesse pelos mesmos géneros e temas, uma inclinação para a sátira e o sarcasmo como meios de transgressão, e o uso da distorção das formas e do corpo humano.
Através de uma linguagem visual radical, ambos contribuíram para transformar a forma como vemos e abordamos o mundo, deixando uma marca profunda no desenvolvimento da arte moderna e contemporânea. Estas afinidades estão reflectidas na exposição que acaba de abrir portas, através de quatro secções dedicadas aos temas e géneros que partilhavam: Retratos e Máscaras, Lugares, Objectos, Arlequins e Nus. Cada secção inclui também obras da coleção do Museu Thyssen, algumas das quais pertenceram a Berggruen, sublinhando assim os laços que uniam os dois artistas e os dois colecionadores – Hans Heinrich Thyssen-Bornemisza e Heinz Berggruen, dois europeus contemporâneos com uma paixão mútua pela arte e que deixaram dois acervos invejáveis.