Estilo

Namorados ou irmãos?

Os opostos atraem-se. Já os idênticos nem se fala. A ciência explica porque é que, tantas vezes, nos apaixonamos por alguém que poderia ser… nós próprios.

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11 de fevereiro de 2022 | Pureza Fleming

O Zé é uma das pessoas mais terra-a-terra que eu alguma vez conheci — para quem liga ao zodíaco, ele pertence ao signo touro, cujo elemento que o define é terra. Como tal, os pés estão bem assentes na terra e o lado racional do cérebro ligado no seu expoente máximo. A Teresa, por seu lado, vive com a cabeça no ar e os pés a saltitar de nuvem em nuvem. A Teresa, que é a namorada do Zé, é gémeos, cujo signo é representado pelo elemento ar. Completamente aérea, portanto. Os dois estão juntos desde agosto de 2018 e não poderiam ser mais diferentes — o que confirmaria, desde já, a máxima que reza que os opostos se atraem. E o texto ficaria, então, por aqui. Acontece que à vista, o caso muda de figura por completo: a Teresa e o Zé são, fisicamente, iguais. Totalmente idênticos. Poderiam ser irmãos. Gémeos. Verdadeiros. O mesmo cabelo fino e muito clarinho, não chegando, porém, a ser loiro. Os mesmos olhos esbugalhados e cor de mel. O mesmo nariz mínimo e empinado. A estatura média: não muito altos, magros e secos. E, para colmatar, o gosto semelhante no que toca ao estilo adoptado, chegando, inclusive, a partilharem o mesmo guarda-roupa.

"Já perdemos a noção da quantidade de vezes em que as pessoas nos perguntam se somos irmãos", comenta, entre risos, a Teresa. Zé confirma: "Muitas vezes, na rua, se por acaso estamos de mãos dadas ou em demonstrações de afecto, as pessoas vêm ter connosco e chegam a dizer: ‘Vocês têm a certeza absoluta de que não são irmãos gémeos?’ (risos) Às vezes roça o constrangedor… Saber que lhes passa [às pessoas] isso pela cabeça… Mas, fazer o quê?". Teresa vai validando o discurso do namorado — atenção, até nas expressões eles parecem nascidos do mesmo pai e da mesma mãe, à mesma hora. É, realmente, impressionante. Justin Lehmiller, psicólogo social, pesquisador do Kinsey Institute e autor do livro Tell Me What You Want: The Science of Sexual Desire and How It Can Help You Improve Your Sex Life (2018), afirmou que as pessoas gravitam, de forma natural, em torno de quem lhes é familiar, mesmo que todo o processo seja fruto do subconsciente. Regra geral, "o que nos é familiar tende a ser aquilo de que mais gostamos e, logo, por quem mais nos sentimos atraídos", ainda que não estejamos explicitamente cientes disso, assegura Lehmiller à revista Time. Esse fenómeno estende-se à aparência: "Cada pessoa conhece a sua própria aparência, portanto, ver outras pessoas que apresentam um tipo de características semelhantes pode levar a que se goste mais delas por esse mesmo motivo", continua.

Tom Brady e Gisele Bundchen na Met Gala, Nova Iorque, 2013
Tom Brady e Gisele Bundchen na Met Gala, Nova Iorque, 2013 Foto: Getty Images

Já em 2013 um estudo confirmava aquela teoria: somos, de facto, estranhamente atraídos pelos nossos próprios rostos e por pessoas que se parecem connosco. Naquela investigação, 20 casais foram convidados a ver fotografias de sete versões do rosto dos seus parceiros. Cada versão foi transformada em outro rosto: alguns eram rostos de homens, outros eram de mulheres; alguns rostos eram considerados de aparência mediana, outros atraentes. Uma das imagens, porém, era uma mistura do rosto do parceiro com o rosto do sujeito do estudo, embora o sujeito não estivesse ciente disso. Esta era uma versão do rosto do parceiro combinada com uma versão espelhada que parecia alterada digitalmente. Quando se pediu aos sujeitos para classificar as imagens da menos atraente para a mais atraente, eles gostaram mais da versão que foi combinada com o seu próprio rosto, até mesmo daquela que espelhava o rosto do parceiro. Narcisismo? Egoísmo? Provavelmente não, sossegou Lehmiller, uma vez que "está tudo na origem do inconsciente".

 Blake Lively e Ryan Reynolds, 2014
Blake Lively e Ryan Reynolds, 2014 Foto: Getty Images

Um estudo anterior chegou a uma conclusão semelhante acerca de imagens compostas, revelando que as pessoas eram, de forma subliminar, atraídas pelas características dos seus pais do sexo oposto. Os participantes do estudo classificaram as imagens de outras pessoas como mais atraentes quando uma foto dos seus pais do sexo oposto passava, rápida e subliminarmente, pelo ecrã, sugerindo assim que estes eram, mais uma vez de uma maneira subconsciente, estimulados pelo rosto familiar. Esta preferência relativa aos pais pode parecer um pouco arrepiante, no entanto, confirmou Lehmiller, não é nem problemática, nem sequer surpreendente. Trata-se de um processo completamente inconsciente que explora as associações naturais das pessoas com aquilo que lhes é prazeroso e/ou atraente. "Estas características podem ser vistas como sendo reconfortantes", adianta. "Elas são familiares para a pessoa." Ben Domingue, professor assistente da Stanford Graduate School of Education, nos EUA, que estudou a semelhança genética entre cônjuges e amigos, disse, à revista Time, que pessoas geneticamente compatíveis tendem a encontrar-se já que, por norma, gravitam pelos mesmos ambientes sociais e culturais. E deslinda: "As semelhanças genéticas fazem com que as pessoas compartilhem ambientes semelhantes ou que apenas estejam correlacionadas com outras situações que façam com que as pessoas partilhem ambientes idênticos. Quando a pessoa estiver nesses ambientes — uma determinada faculdade ou um certo bairro, por exemplo — é aí que ela irá encontrar o seu parceiro".

A teoria de que todos temos, pelo menos, um "gémeo" algures no mundo possui diversas origens. A maioria remonta à cultura alemã – onde, inclusive, surgiu o termo doppelgänge (que significa "duplo ambulante"). Este foi usado, pela primeira, em 1796, no romance Siebenkäs, do francês Jean Paul (pseudónimo de Johann Paul Richter). Nele, o protagonista é convencido pela sua cópia a forjar a sua morte para se conseguir livrar da sua esposa. Mas por que é que, consciente ou inconscientemente (como defende a ciência) namoramos com os nossos doppelgängers? "É provável que tal beneficie os futuros filhos", disse Madeleine A. Fugère, professora de psicologia social da Eastern Connecticut State University e autora de The Social Psychology of Attraction and Romantic Relationships (2014), numa entrevista ao Huffington Post. "Em termos de evolução, genes que são um pouco parecidos com os nossos — ainda que diferentes o suficiente — podem ser ótimos para o sucesso reprodutivo", elucidou Fugère. "Alguns pesquisadores acreditam que os estímulos que vemos com frequência podem ser mais facilmente processados ??pelo cérebro", acrescentou. "Também é possível que sintamos mais confiança em indivíduos que nos parecem mais familiares". Então e aqueles casais que, inicialmente, não se parecem nada, no entanto, à medida que a relação evolui começam a parecer-se? Como, por exemplo, demonstrava um tweet que se tornou viral e que mostrava como o ator Brad Pitt se transformava em cada uma das suas namoradas, desde o início dos anos 90? O ator acertava em cheio no visual de cada uma das suas caras metade — desde a roupa que vestia, ao estilo que adoptava, passando pelo corte e cor do cabelo que usava, até a escolha dos óculos de sol era idêntica… Pois é, há uma teoria que também explica isso. Em 1987, cientistas da Universidade de Michigan começaram a estudar o fenómeno de casais que crescem e que se parecem mais com o passar do tempo — a teoria, que ainda hoje é aclamada pelos cientistas, era de que décadas de emoções compartilhadas resultam numa semelhança mais aproximada devido a expressões (que resultam em rugas) semelhantes.

Apesar de tudo, não será esse o caso de Brad Pitt, uma vez que o ator não passou décadas suficientes ao lado de todas as suas namoradas — pelo menos não o tempo indicado pelo estudo. Nem o de mulheres e homens do mundo inteiro que, numa fase ainda precoce da relação, resolvem adotar o estilo e a identidade do parceiro, em detrimento do próprio. A este "fenómeno" a Internet apelidou de "namorado/a camaleão". Ser namorado/a de camaleão, no entanto, pode ser perigoso, porque aquilo que pode parecer romântico — "Estão tão apaixonados que até fazem e usam tudo igual" —, pode tornar-se numa espécie de sinal de alerta para o relacionamento. Referimos-nos a sinais de insegurança profundos e/ou até de co-dependência. Manter os próprios interesses, a identidade e as opiniões é um atractivo, e sacrificá-los tão velozmente diz mais sobre a (in)segurança de uma pessoa do que diz sobre o seu estilo ou guarda-roupa. A busca por um relacionamento perfeito implica, antes de mais, que nenhuma das pessoas se esqueça de quem era no início da relação. Até porque foi por essa pessoa que o parceiro se apaixonou.

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