Um dia na vida de Ljubomir Stanisic: “Portugal não está feito para empreendedores, infelizmente tenho de o dizer”
Chegou ao estrelato da gastronomia em meia dúzia de anos. Conhecido pelo seu feitio particular, Ljubomir continua a gostar de tocar vários instrumentos. E a música não vai parar.

A que horas se costuma levantar?
Os meus dias nunca são iguais, não tenho um dia formatado. Para além de cozinheiro, dono de restaurantes e chefe de cozinha, sou também produtor de vinhos, fabrico facas, tenho uma loja, produtos em meu nome e, embora agora esteja numa paragem, também faço televisão. Portanto, tudo depende muito dos meus projetos. Faço muitos eventos, team buildings, workshops... por isso, as minhas semanas são sempre diferentes. Mas, se tiver de descrever uma semana “normal”, apenas dedicada aos restaurantes, então digo que me levanto sempre por volta das 9, 10 horas.
Sobre o que costuma refletir nos primeiros minutos acordado?
Gosto de começar logo a treinar, sou muito ativo, acho até que sou um bocadinho hiperativo. Gosto de arrancar o dia com um treino de força intenso. Não costumo refletir quando acordo, passo direto para a ação. As minhas reflexões acontecem em movimento, é na força e na atividade que penso e organizo as ideias.
Qual é a sua rotina quando se levanta?
A minha rotina, como disse, não existe e o mesmo se aplica à hora em que me levanto. Não há uma rotina fixa. Mas, neste “dia tipo” em que estou em Lisboa apenas com os restaurantes e vou treinar, acordo e sigo diretamente para o treino, só como depois.
Que tipo de pequeno-almoço costuma tomar?
O pequeno-almoço que tomo a seguir ao treino é sempre muito baseado em ovos, proteína. Gosto mesmo muito de ovos. Faço-os de todas as maneiras, mas tenho uma verdadeira panca pelos ovos cozidos a 3 minutos. Não podem passar dos 3 minutos.

Costuma haver algum tipo de atividade antes do trabalho?
Muita atividade. A minha vida, às vezes... — o meu trabalho é a minha vida e a minha vida é o meu trabalho — mistura-se muito. Para além de tudo o que já disse que faço, há também as viagens e o trabalho em viagem: conhecer produtores, recantos, gente, artistas espalhados pelo país. Esse é outro dos meus “trabalhos”. Já fizemos vários programas de televisão, séries documentais ligadas a esta nossa tendência de conhecer as pessoas, os produtos, o país. O Papa Quilómetros começou em 2011, primeiro como livro, e passou depois a programa de televisão na Fox Internacional e na 24 Kitchen, onde estreou em Portugal. Mais recentemente, em 2022, surgiu o Pela Estrada Fora, uma série documental de que gosto muito, ainda disponível na Opto, e que é mais um bom exemplo de como o meu trabalho e a minha vida se fundem. E por exemplo, nesse trabalho vêm amigos, trabalho quase sempre com amigos, faço amigos no trabalho, por isso, tudo se mistura um bocadinho.
Qual é o seu trajeto diário? Como o faz? A pé, automóvel, transportes...
Até ter um acidente de mota, há muito pouco tempo, fazia esse trajeto de mota. Demoro cerca de 5 minutos entre casa e os restaurantes, é o percurso habitual. Quando vou à bola com os filhos vou sempre de metro, é o meu transporte favorito.
Tem algum tipo de preparação prévia para o trabalho?
Preparação para tudo, para a minha vida, é exatamente isto de que falo: dormir bem, comer bem e treinar bem. Esta é, para mim, a fórmula de sucesso para a saúde em geral. Pratico sempre que posso. E, sempre que posso, acabo também por praticar o oposto: muitos almoços e jantares com amigos e família, vinho bom e comida ainda melhor.

A que horas começa a trabalhar?
Não tenho uma hora certa para começar a trabalhar, depende muito dos dias. As minhas cozinhas abrem, em alguns dias, ao almoço e, todos os dias, ao jantar. Por isso, consoante o horário, entro mais cedo ou mais tarde. Temos equipas a fazer a “mise en place” a partir das 10, 11 da manhã, e tudo depende do tipo de trabalho que vamos começar nesse dia.
Quais são as suas principais tarefas e responsabilidades no trabalho?
As minhas principais responsabilidades são todas. Para além de cozinheiro, sou chef de cozinha e dono de três restaurantes neste momento: o Bistro 100 Maneiras, o 100 e o Carnal Gastrobar. Portanto, tenho todo o tipo de responsabilidades, desde a criação de menus, afinação de pratos, preparação de serviço e gestão, até à prova de cocktails e de vinhos. Passa por isso tudo.
Como gere o seu tempo?
Tento sempre balançar muito bem o trabalho, a família e o lazer. Não prescindo de ter uma vida pessoal, social e familiar. Por isso, giro tudo tentando equilibrar sempre estes pratos na balança.
Como lida com a pressão e o stress?
Já estou mais maduro e, por isso, lido muito bem com a pressão e o stress. Como disse, a forma como começo o dia, acordar e treinar logo de manhã, é uma das coisas que faz o meu cérebro funcionar melhor e me ajuda a lidar muito melhor com tudo isso, mas afinal de contas eu adoro lodo e stress.
Quais são a parte favorita e a parte menos agradável do trabalho e porquê?
A minha parte favorita é, sem dúvida, criar pratos novos. Quando a receita está afinada e sinto que cheguei exatamente ao ponto onde queria, isso dá-me um prazer enorme. O menos agradável são os recursos humanos. Estamos a viver uma crise brutal na restauração e na hotelaria em geral. Nós temos uma política de recursos humanos bastante sustentável. Somos pelas pessoas, pela qualidade de vida, pela formação e pela informalidade mas está cada vez mais difícil formar pessoas. A rotatividade é muita, é difícil manter equipas, e esta crise na restauração de que poucos falam, está a transformar-se num verdadeiro caos para todos nós, sobretudo para quem, como eu, tem negócios independentes.

Tem uma equipa a trabalhar consigo? Como gere a comunicação com eles?
A minha equipa é a minha segunda família. Trato da mesma forma que giro a minha família: nos momentos em que têm de levar na cabeça, levam, nos momentos em que precisam de um abraço, abraço-os. A minha política é essa, exigência e amor na mesma medida.
Costuma fazer pausas no trabalho? Para?
Sim, muitas. Com a família, para ir comer a outros restaurantes, para ver filmes com os meus filhos, para passear de caravana pelo país, para viajar, para ler, ouvir música e dançar.
Interrompe o trabalho para almoçar? O que costuma comer e onde?
Não interrompo o trabalho para almoçar, não tenho esse hábito. Também não tenho o costume de ir sempre comer aqui ou ali, mas tento ir, sempre que posso, aos negócios locais, perto dos meus restaurantes e da minha casa. Gosto muito da Tasca Pete, que fica perto de onde moro.
Como lida com eventuais críticas e elogios ao seu trabalho?
Sinceramente, ao longo dos anos, acabei por me desligar bastante tanto das críticas como dos elogios. Mas claro, lido com eles como toda a gente. Os elogios são sempre bem-vindos, e as críticas, às vezes, são mesmo necessárias, depende da forma como são feitas, de quem vêm e com que intenção chegam. Servem, muitas vezes, para evoluirmos e melhorarmos.
O que diria sobre a ideia de que as pessoas com quem se relaciona profissionalmente têm de si?
Nem sequer penso no que as pessoas pensam de mim. Felizmente, não estou minimamente preocupado com isso e acho que isso é bastante óbvio na forma como lido com tudo.

Ao longo do dia dá importância às redes sociais?
Não sou eu que giro as minhas redes sociais, embora tudo seja feito muito com base na minha personalidade. Felizmente, tenho uma equipa incrível, que me conhece intimamente, a quem passo as minhas ideias e que as transforma em promoção, em ativismo. Gosto de usar as redes sociais para influenciar pelo bem. Se puder ter uma palavra a dizer sobre questões sociais, políticas ou ambientais, gosto de usar essa influência para isso, não para vender cremes.
Tem hobbies ou atividades que faz regularmente?
Tenho hobbies, muitos hobbies. Hobbies se calhar a mais para o tempo que tenho. Pesca, caça, horta, transformação de produtos em laboratório, até em cosmética. Gosto de ler, ver filmes, ouvir música...
A que horas costuma terminar a atividade profissional?
Depende. Como disse, os meus dias nunca são iguais, às vezes termino à hora do serviço, outras vezes acabo mais tarde.
“Leva” trabalho para casa?
O trabalho e a casa às vezes misturam-se. O trabalho está em casa e a casa está no trabalho. Mas consigo gerir isso muito bem, não levo o stress para casa, nem levo a casa para o trabalho.
Costuma conversar com alguém sobre a sua atividade no final do dia?
Sim, felizmente tenho um bom grupo de amigos, a quem chamo família, e tenho também a minha família por perto, que me acompanha. Muitos deles até trabalham comigo, por isso conversamos muito sobre tudo isso.

Costuma viajar com frequência nas suas atividades profissionais?
Sim, viajo com frequência, é uma mistura de trabalho e lazer. Aliás, muitas vezes nem consigo distinguir onde acaba um e começa o outro. Já tinha falado do Pela Estrada Fora, que é um ótimo exemplo disso: viajar pelo país, conhecer pessoas, produtores, histórias... tudo isso faz parte do meu trabalho, mas ao mesmo tempo é puro prazer. Para mim, essa fusão entre o profissional e o pessoal acontece com naturalidade e é assim que gosto de viver.
Há muita diferença entre os dias da semana e os fins de semana?
Cada vez mais tem havido diferença entre a semana e os fins de semana. Antes, não havia. Felizmente, com o tempo e com a construção de boas equipas, consigo ter mais fins de semana para a família, algo que até há muito pouco tempo, não conseguia. Nem fins de semana, nem Natal, nem Ano Novo. E acho fundamental que os tenhamos.
Quais são os seus hábitos de jantar? Horário e exemplo de menu?
O meu horário de jantar é igual ao de toda a gente. Em termos de menu, cada vez mais baseio as minhas refeições em vegetais e proteína animal.
O que faz antes de dormir?
Antes de dormir, leio muitas vezes. Outras vezes, vejo filmes. E há noites em que simplesmente me deixo perder nas horas a conversar com a minha mulher, com os meus filhos ou com os meus amigos. Como disse, nenhum dia é igual ao outro.
A que horas se costuma deitar e quantas horas dedica ao sono?
O sono também depende dos dias, mas tento dormir sempre seis horas ou mais.

Como mantém o equilíbrio entre sua vida pessoal e profissional?
Mantenho facilmente o equilíbrio entre as duas vidas, porque a maturidade é um posto. Os meus filhos estão a crescer muito rapidamente e eu quero aproveitar todos os momentos com eles. Por isso, consigo gerir muito bem o tempo que passo a trabalhar e o tempo que passo com eles.
Vê-se a ter outra profissão?
Tenho muitas profissões. Em minha casa até há uma piada, dizem-me que posso tudo só não posso é cantar.
O que mais gostaria que mudasse no futuro?
O que eu gostava que mudasse eram as condições para a hotelaria em Portugal. Estão feitas de forma que nenhum pequeno ou médio empreendedor consiga ter negócios de sucesso. É urgente mudar isso. Portugal não está feito para empreendedores, infelizmente tenho de o dizer. Sou o primeiro a proteger e a defender o país, mas neste momento está muito complicado manter negócios por cá, sobretudo sem grupos de investimento por trás. E isso é muito triste, porque sempre incentivei toda a gente que trabalhou comigo a ser empreendedor, a construir o seu caminho. Mas, com o nível de impostos, a falta de apoios e o contexto atual, o país não está, de facto, preparado para isso.
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