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Amazon, mais um dia no domínio do mundo

A Amazon é alvo de críticas por recorrer a métodos legais para pagar menos impostos, explorar trabalhadores e estar a acabar com as lojas de comércio tradicional. Como o seu proprietário se tornou o homem mais rico do planeta, o preço a pagar pela conveniência não será demasiado elevado? Recordamos o artigo publicado na Must de setembro de 2018

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23 de dezembro de 2019 | John Arlidge- The Sunday Times
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A maior parte das pessoas que sai do comboio, em Cambridge, vai directamente para o rio Cam para uma viagem nos típicos barcos de fundo chato ou dá um passeio pelos colleges e laboratórios, nos quais o ADN, as células embrionárias e muitas outras coisas foram descobertas. Poucos são os que reparam no edifício do lado oposto à estação. De um enfadonho bege e com janelas verdes, a sua arquitectura está longe de se assemelhar à da King’s College Chapel. Contudo, é ali que são delineadas as inovações de alta tecnologia que estão a mudar a nossa vida, de uma maneira que nunca imaginámos.  

Nos laboratórios secretos do último andar, cujas janelas de vidro fosco impedem a visão aos olhares curiosos, Alexa, uma "assistente" electrónica controlada por voz, aprende como responder às nossas perguntas e instruções. Foi Alexa que impulsionou a última corrida ao armamento tecnológico: dispositivos inteligentes controlados e comandados por voz. Se olhar um pouco mais para cima, verá drones a voar sobre o telhado do Amazon Cambridge Development Centre que é o nome do edifício de que estamos a falar. Estas aeronaves, que em breve serão capazes de entregar packs de seis cervejas no seu jardim em meia hora, ou menos, quando estiver a fazer um churrasco e se der conta de que não tem bebidas, estão a ser projectadas e testadas ali por cientistas britânicos. "Estamos, de facto, na vanguarda do que se pode fazer com a tecnologia", garante o director do centro, David Hardcastle, e o drone de testes que ele pousa na secretária atesta essa afirmação. "Então, o que se seguirá?", indago. Ele sorri e mexe nos botões de punho que, provavelmente, um dia serão apertados por Alexa.

Tentar saber quais serão as futuras acções da Amazon é pura perda de tempo. Ninguém partilha os segredos. Mas podemos fazer conjecturas. A Amazon, já considerada "a loja de tudo", está rapidamente a tornar-se a loja "de tudo, a toda hora e onde quiser". Cresce tão depressa que os analistas esperam que as vendas cheguem aos 350 mil milhões de dólares, até ao fim de 2020, e que ultrapasse a fasquia dos 500 mil milhões, em 2023. Converteu-se na segunda companhia, a seguir à Apple, a ultrapassar os 900 mil milhões no mercado de acções, transformando o fundador da empresa, Jeff Bezos, de 55 anos, no homem mais rico da história moderna, valendo 150 mil milhões de dólares, de acordo com a Bloomberg, valor suficiente para cobrir o défice orçamental britânico. Mais de duas vezes.

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Enquanto cresce online – e faz uma incursão ímpar no mundo físico, nomeadamente com a sua recente aquisição por 14 mil milhões de dólares da cadeia de supermercados Whole Foods dos EUA e do Reino Unido –, a empresa terá um efeito ainda maior na maneira como nos comportamos, nas nossas vilas e cidades, efeito, esse, que já se faz sentir nos nossos empregos, para o bem ou para o mal. Diga-se MAL!, tanto quanto esta situação preocupa Donald Trump. O crítico mais poderoso do mundo travou uma guerra no Twitter com a Amazon, acusando-a de recorrer a mecanismos legais para pagar menos impostos, de levar à falência o comércio a retalho e de destruir o tecido que compõe as cidades e vilas. "A Amazon está a causar sérios danos aos comerciantes que pagam os seus impostos. Vilas, cidades e estados estão a ser prejudicados – muitos postos de trabalho estão a ser eliminados!", declarou Trump. Não é difícil entender por que razão Trump e muitos deste lado do Atlântico estão furiosos, sobretudo os que trabalham em estabelecimentos de tijolo e cimento. A loja digital global da Amazon está a substituir-se, rapidamente, ao comércio de rua. Ela já está nos nossos computadores, iPads e telemóveis e, agora, graças a Alexa, em nossas casas e, até, nos nossos carros, dado que fabricantes como a Toyota, a BMW e a Jaguar Land Rover a estão a instalar.

Seja qual for o dispositivo ou serviço que compramos, há sempre mais para adquirir. A recente aquisição por mil milhões de dólares da empresa PillPack, uma farmácia start-up online, introduz a Amazon nos cuidados de saúde, ameaçando a companhia farmacêutica Boots da mesma forma que o primeiro produto que vendia, os livros, ameaçou a Waterstones. Os bancos estão na linha de fogo. A Amazon quer oferecer contas à ordem. A Ocado também está sob ataque, após a decisão da Amazon de se associar com a Morrisons, criando a AmazonFresh, que entrega produtos de mercearia em nossas casas. E as compras são apenas o começo. A Amazon está rapidamente a tornar-se uma gigante dos media. A Amazon Music é já o terceiro maior serviço de música digital do mundo subscrito por assinantes, atrás do Spotify e da Apple Music. Programas de televisão, como o The Grand Tour, de Jeremy Clarkson, ajudaram a fazer do Prime Video, da Amazon, o novo serviço de entretenimento que mais cresceu na Grã-Bretanha, em 2017, superando a Netflix. O número de assinantes aumentou 41 por cento, estando disponível em mais de 4,3 milhões de lares, em 2017, segundo o Broadcasters’ Audience Research Board, que avalia as audiências televisivas, no Reino Unido. Os números dos subscritores aumentarão drasticamente quando começarem a transmitir desporto. A Amazon já comprou os direitos do United States Open Tennis e transmitirá 20 jogos de futebol da Premier League por temporada, a partir de 2020.

O que torna uma simples loja tão irresistível que mesmo aqueles que concordam com as críticas de Trump continuam a recorrer a ela para comprar a maioria das coisas de que precisam, para ler romances no Kindle, ver televisão e a acordar com Alexa? Poderá ela continuar a escapar ao escrutínio e repugnância públicos, atacando os outros gigantes da tecnologia, principalmente o Facebook? A Amazon cresceu muito e tão depressa, mas é ignorada pelos reguladores porque é diferente. Não necessariamente melhor do que os seus concorrentes da costa oeste dos EUA, mas diferente. Para descobrir as razões, há que ir ao 2117-2127 da 7.ª Avenida, em Seattle.

A primeira diferença é tão clara como o céu estival, por cima da sede da empresa, no dia da minha chegada. A Amazon não está localizada, como os seus maiores concorrentes da tecnologia, em Silicon Valley. Nem se parece com nada no "Valley". Os seus 45 mil funcionários, em Seattle, não trabalham numa bolha perfeitamente formada, longe da incómoda intrusão da realidade. A nave-mãe da Amazon, avaliada em 4 mil milhões de dólares, está espalhada por mais de um milhão de metros quadrados em mais de 40 edifícios, no centro da cidade. Isso ajuda a Amazon a nunca perder de vista os seus clientes. "Leva-nos a ser criativos todos os dias, para eles", diz Sam Kennedy, de Nashville, o primeiro amazonense que conheço. Os clientes nunca perdem de vista a Amazon. A entrada para o Armageddon destaca-se pelas cúpulas de vidro. As Spheres – para a Amazon, ou "bolas de Jeff Bezos" para todos os outros – têm 27 metros de altura e 40 metros de diâmetro e albergam 40 mil plantas. Inspiradas nas estufas de Kew Gardens, são um local destinado aos funcionários para "sentirem e pensarem diferentemente", afirma a Amazon. (Não por muito tempo, no entanto. Bezos controla o tempo que os seus empregados lá permanecem.) O seu principal papel é demonstrar transparência. As Spheres praticamente gritam: "Olhem cá para dentro. Não temos nada a esconder. Nós não somos o Facebook!"

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Todos os gigantes da tecnologia gostam de pensar que são os inovadores mais agressivos, mas Bezos elevou a fasquia. Ele incita os seus "drones" humanos todos os dias a irem mais além, chamando Dia 1 à torre de 37 andares que é o seu quartel-general, porque "todos os dias são o primeiro dia na Amazon". Se eles esquecerem a cultura heterogénea que existe numa start-up, o que se seguirá será "um declínio doloroso. Seguido da morte". Os valores da companhia, colocados em todas as paredes, aumentam a pressão. "Tenha força de carácter! Influenciar para agir!" ["Have backbone! Bias for action!"], gritam os cartazes.

É duro, mas também uma mudança refrescante dos amados lugares-comuns da maioria das firmas da costa oeste dos Estados Unidos – "Não seja mau" ["Don’t be evil"] (Google) ou "Ligue o mundo" ["Connect the world"] (Facebook). Mas as pessoas que trabalham numa empresa que já tem mais de 25 anos e está a caminho de se tornar a mais valiosa da história do capitalismo moderno aceitam, realmente, este tipo de motivação?

Sim. A sério. "Eu adoro acordar, todos os dias, preocupado com os meus clientes", diz Prentis Wilson, que dirige o ramo de serviços da Amazon, com um dos sorrisos de marca que parece imitar o logótipo da Amazon. Stephenie Landry, pioneira do serviço Prime Now, que oferece entregas nas cidades em duas horas, veste-se como uma hippie, mas descreve alegremente como a "prototipação sem escrúpulos" e longos, longos dias de trabalho lhe permitiram abrir a Prime Now, em Nova Iorque, em apenas 111 dias. Isto não é andar depressa. É um estrondo tecnológico.

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Talvez seja por isso que os amazonenses não se importam de não usufruir dos benefícios dos trabalhadores da Google e do Facebook. Outro dos valores centrais da Amazon exibidos em todos os quadros é: "Frugalidade!" Não há comida de graça e as viagens de avião são todas feitas em classe económica – todas, excepto as de Bezos, que tem um jacto privado e uma nave espacial, a New Shepard, caso não consiga encontrar algum sítio na Terra para onde queira voar.

Bezos pode ser duro, mas também gosta de ser desafiado. No quartel-general da Amazon, o staff é encorajado a escrever as suas próprias mensagens nas paredes, ao lado dos valores da empresa. Nem todas as críticas são limpas pela "polícia do pensamento". Durante a minha visita, os amazonenses ridicularizaram a decisão de Bezos de vender uma edição limitada de garrafas de 335 ml de Coca-Cola com a marca da Amazon, a 10 dólares cada, cinco vezes o valor de uma normal. Num cartaz publicitário da bebida, alguém escreveu: "É errado pedir 10 dólares aos fãs da Coca-Cola." Outro desenhou uma cara que chorava de tanto rir.

Mas talvez a maior diferença entre a Amazon e os seus pares de Silicon Valley seja a atitude para ganhar dinheiro. A maioria das grandes empresas de tecnologia cobra muito pelos gadgets que criam e acumulam grandes lucros. A Amazon, pelo contrário, não procura ganhar muito dinheiro com os seus dispositivos. "Nós vendemos ao preço de custo", diz David Limp, director do ramo dos dispositivos, cujo corte de cabelo é tão esmerado e as roupas tão atraentes que ele próprio se parece bastante com um dispositivo. E não está a brincar. Um e-reader Kindler pode ser comprado por um preço de 67 euros, muito longe dos 450 que são pedidos por um Apple iPad Mini, e um Alexa "Echo" Dot pode ser nosso por 56 euros, seis vezes menos do que se teria de pagar pelo HomePod da rival Apple.

A Amazon pode fazê-lo porque subsidia os dispositivos e os preços de retalho com o enorme lucro que faz com a Amazon Web Services (AWS), a plataforma de serviços de computação em nuvem. A AWS vende capacidade de computação a pronto pagamento, armazenamento de dados e entrega de conteúdo informático para todos, seja uma start-up ou a CIA, arrecadando 20 mil milhões de dólares por ano. É o poderio pouco conhecido por detrás do império de Bezos e mesmo que se queira escapar, não se consegue. Gosta da Netflix? Então está a encher os cofres da Amazon. O gigante do streaming depende da AWS.

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A Amazon, claro, trabalha arduamente para nos viciar no uso dos seus serviços, assim que os compramos – e depois cobra-nos ainda mais pelas subscrições premium, como a Prime, que fornece um rápido acesso, quase ilimitado, a música e a vídeos. Faz isto porque quanto mais compramos, vemos e fazemos downloads, mais informação obtém sobre o que nos podem oferecer dos seus novos produtos. Ainda assim, cobra preços baixos para nos "fisgar", o que significa margens menores. Fez apenas 3 mil milhões de dólares de lucro nos 178 mil milhões facturados em 2017. O enorme investimento em investigação e em desenvolvimento também se alimenta dos lucros. A Amazon gastou 23 mil milhões de dólares em investigação em 2017, uma quantia muito avultada para qualquer empresa.

A Amazon teve um excelente desempenho, de qualquer forma, mas nada dura para sempre. A empresa está sob escrutínio no que se refere à privacidade e ao aumento do monopólio das grandes empresas tecnológicas. Trump, irritado pelas críticas no The Washington Post, que Bezos detém, e pelo crescimento da Amazon, acusa a empresa de tudo, desde recorrer a artifícios legais para fugir aos impostos à bancarrota dos Correios dos Estados Unidos por não serem justos nos custos de entrega.

Os retalhistas rivais estão a pressionar Trump para acabar com a Amazon. Bill Simon, antigo patrão da Walmart, a maior empresa de venda a retalho no mundo, argumenta que a Amazon abusa da sua posição dominante no e-commerce para oferecer bens e serviços a preços muito baixos, levando os competidores à falência. E tem razão. Uma pequena pesquisa na Internet revela incontáveis histórias de vendedores que se queixam de que a Amazon os obrigou a vender os seus produtos nas suas plataformas em condições pouco vantajosas. Algumas companhias mais pequenas alegam que a Amazon tentou levá-las à falência copiando os seus produtos de maior sucesso e pondo-os depois à venda por preços inferiores, alguns abaixo do preço de custo. Uma pequena empresa de São Francisco, a Rain Design, vendia um suporte de alumínio para computadores portáteis a 43 dólares, feito que lhe granjeou críticas universalmente positivas, tornando-o um best-seller na sua categoria. Mas, há dois anos, a Amazon lançou um, estranhamente similar, por 20 dólares. As vendas da Rain Design caíram. "Nós não nos sentimos muito bem com isto", admite Harvey Tai, o director da Rain Design, recorrendo a um inequívoco eufemismo. A Amazon não comentou as alegações de que "copiara" o suporte. Apesar de o suporte da Rain Design ainda vender razoavelmente na Amazon, são casos como este que induzem os críticos a afirmar que Bezos está a baixar os preços para assegurar o domínio do mercado. E, assim que o conseguir, irá aumentá-los e não nos restará outra opção que não seja pagarmos o que nos pede. Do seu escritório, em Nova Iorque, Scott Galloway, professor de Marketing da Universidade de Nova Iorque e um crítico assumido da alta tecnologia, diz-me: "Os ditadores começam por ser benignos, mas o poder corrompe." Muitos consumidores já estão a queixar-se de que apesar de assinarem pacotes de "tudo incluído", como o Prime, são cobrados pagamentos extras para ver filmes e ouvir música.

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Margrethe Vestager, a temida comissária europeia para a Concorrência, também está atenta ao caso da Amazon. E está farta das dificuldades criadas pelas empresas, incluindo a Amazon, que – legalmente – tentam fugir aos impostos, transferindo lucros de países com impostos altos, como o Reino Unido, para países com baixos impostos, como o Luxemburgo e a Irlanda, ou simplesmente estruturando os seus negócios de modo a que obtenham poucos lucros, a fim de evitar o pagamento de impostos. A Amazon pagou 7,4 milhões de libras em impostos na Grã-Bretanha, em 2016, apesar de ter gerado mais de 7 mil milhões de libras em receitas. A empresa assinala que reestruturou os seus acordos tributários e que, por isso, paga agora mais impostos. Mas ainda tem uma grande vantagem em relação aos seus rivais com estabelecimentos de tijolo e cimento. Paula Nickolds, a nova directora da cadeia John Lewis, realça que, ao contrário da sua empresa, a Amazon não precisa de pagar rendas de lojas nem impostos municipais na Grã-Bretanha porque não tem nenhuma no país.

É certamente tentador retratar Bezos como uma versão do século XXI dos implacáveis barões da era do petróleo ou dos caminhos-de-ferro dos Estados Unidos. Também é difícil discordar de que a Amazon e outros vendedores online estão a esvaziar o centro das cidades e os centros comerciais. Durante a hora do almoço, em Seattle, ando os poucos quarteirões que separam o quartel-general da Amazon da loja Macy’s, na Pine Street. Está tão silenciosa que fazer compras é como invadir um velório. Ou seria, se houvesse alguma coisa para comprar: as prateleiras são uma mistura de estilos desactualizados. 2017 foi um ano recorde para o encerramento de lojas na América, dado que cerca de 8 mil fecharam e houve apenas 3 mil inaugurações. Aqui, a House of Fraser, a Maplin, a Toys’R’Us e a Comet acabaram, vítimas do crescimento da venda a retalho online. Cerca de 5.855 lojas fecharam em toda a Grã-Bretanha, em 2017, segundo a auditora PWC, mais do que em qualquer outro ano, desde 2010. O número de novas lojas também diminuiu, com uma perda líquida de 1.700 estabelecimentos.

Mas a Amazon acha que tem um trunfo. Ao oferecer preços cada vez mais baixos, argumenta que é o oposto de um monopólio ganancioso. "Eu acordo todos os dias a pensar que os clientes estão melhor do que há dez anos", garante Greg Greeley, ex-director da Amazon Prime, quando lanço a pergunta que todos querem fazer à Amazon: acorda preocupado porque vai levar ao encerramento de mais uma loja de tijolo e cimento? Os executivos da Amazon acrescentam que, embora a empresa possa dominar determinados mercados, especialmente os livros online, quando se tem em conta o mercado total de venda a retalho, representa apenas uma pequena fracção – 2% no Reino Unido e 4% nos EUA. Quanto à pressão de rivais menores, realçam que 2 milhões de pequenas e médias empresas de todo o mundo dependem da Amazon para entregar os seus produtos. Em 2017, pela primeira vez, as encomendas das empresas independentes que recorrem à Amazon superaram as vendas da própria Amazon.

E quanto a todos os empregos que estão a desaparecer devido ao fecho dos estabelecimentos comerciais? Certamente que Russ Grandinetti – um homem alto e musculado que lembra um rapaz chegado da terriola natal –, o qual administra os negócios internacionais da Amazon, se sente um pouco culpado pelo que a sua empresa anda a forjar? "O edifício em que estamos agora não existia há quatro anos. Eu vejo ali um prédio a crescer graças ao que estamos a construir. O que fizemos por esta cidade, pelo país, para o mundo, é produtivo", insiste, enquanto gesticula na direcção do exterior das muitas janelas que o seu escritório tem. "Criamos muitos empregos, não apenas na empresa – 100 mil só nos EUA, em 2017, 5.000 na Grã-Bretanha –, mas também nas empresas dos fornecedores que servimos." Acrescenta que a Amazon deve abrir um novo campus de 5 mil milhões de dólares na América do Norte, criando cerca de 50 mil novos postos de trabalho. Grandinetti assume que há perdedores na revolução do e-commerce e que ajudá-los é "importante". Mas "onde essa situação gera dinheiro, realmente, não penso que seja da nossa conta. As empresas, muitas vezes, inventam tecnologias que nos obrigam a descobrir como reinvestir as melhorias de produtividade em novos empregos e de novas formas. Isso é uma coisa socialmente importante a fazer e é importante que o governo também o faça. Eu não penso que seja nossa a responsabilidade de fazer alguma coisa, excepto tentarmos ser realmente bons no que fazemos". Os accionistas vão aplaudir o seu foco implacável no resultado final. Os críticos responderão que está a ignorar os problemas que a Amazon causa.

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Se a Amazon tem um calcanhar de Aquiles, são os seus comicamente apelidados centros de satisfação – os seus armazéns gigantescos. São tudo menos satisfatórios para as pessoas que ali trabalham. É raro o mês em que um jornal não envia um repórter incógnito para registar os turnos extenuantes dos trabalhadores. Para atingir objectivos de performance, testemunhas dizem que os funcionários têm de recolher até mil itens e fazer 24 quilómetros num único turno. Há cronómetros que contam os segundos necessários para retirar cada item e quem for demasiado lento sofre sanções. A pressão para atingir os objectivos é tão forte que o tempo para ir à casa de banho ou fazer uma pausa para almoçar é praticamente inexistente, reclamam os trabalhadores. James Bloodworth, que foi contratado para um armazém em Rugeley, no Staffordshire, revelou num livro, recentemente publicado, que os trabalhadores que faltavam um dia devido a doença – mesmo comprovado por atestado médico – eram assinalados com uma nota disciplinar. A Amazon, entretanto, acabou com essa prática. Os salários, no entanto, continuam baixos. A Amazon revelou, no último Abril, que o salário médio anual dos seus trabalhadores é 25.026,16 euros, o que significa que um empregado médio da Amazon teria de trabalhar 5 milhões de anos para chegar ao que Bezos actualmente vale. Milhares de trabalhadores dos armazéns da Amazon, na Alemanha, entraram em greve no início do mês de Julho para exigir melhores condições de trabalho, juntando-se aos colegas de Espanha e da Polónia. O sindicato alemão Ver.di acusou a empresa de estar a enriquecer "poupando dinheiro à custa da saúde dos trabalhadores". Grandinetti concede que "pequenas histórias específicas" são "o que não queríamos que fossem", mas ressalva que os colaboradores da Amazon têm direito a pensões, a seguros de saúde e a acções. Os centros de satisfação "são e têm sido um bom lugar para trabalhar. Realmente".

Pode alguma coisa parar a maior empresa do mundo orientada para fornecimento de informações e satisfação instantânea? Na minha última tarde, em Seattle, pergunto a Gur Kimchi, um cientista nascido em Israel que supervisiona o centro tecnológico em Cambridge e que já testou um voo de entregas locais – um saco de pipocas. Debatemos os prós e os contras da alta tecnologia, mas ele já ouviu tanta coisa que ficou com o cabelo branco. Quer seguir em frente. "Eu vou despedir-me de si, pedindo-lhe que reflicta no seguinte", diz. "Se acha que os drones são excitantes, pense nos outros 50 projectos – projectos loucos – de que não podemos falar." Óculos activados por Alexa? Não é suficientemente estranho. Um implante na Alexa para que ela nos diga o que temos de fazer e não o contrário?
Como Hardcastle, Kimchi não revela nada, mas a sua mensagem de despedida é clara: com Trump ou sem Trump, o megacentro comercial online vende sabão em pó e faz telenovelas, detém uma boa fatia dos mercados online, da music box, da publicidade online, é fornecedor de serviços de computação em nuvem, funciona como banco, vende áudio-livros, possui uma cadeia de supermercados, um serviço de entrega de comida, é fabricante de e-readers, a sua ajuda ao domicílio está sempre disponível, é um pequeno ajudante da CIA, disponibiliza um painel de instrumentos automobilísticos online, possui um esquadrão de drones, uma cadeia de farmácias, armazéns onde personagens dignas de um romance de Charles Dickens se cruzam com robôs e muito, muito mais. E isto é apenas o começo.

 

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Artigo atualizado e originalmente publicado na Must de setembro de 2018

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