Viver

O elogio ao homem feio

Num confronto fictício entre Brad Pitt e Javier Bardem, quase todas as mulheres torceriam pelo actor americano em detrimento do espanhol, certo? Errado. Afinal, até pode ser dos menos bonitos que elas gostam mais.

Foto: Getty Images
25 de novembro de 2020 | Maria Wallis
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A referência ao ex-marido de Angelina Jolie não é inocente. O protagonista de Clube de Combate é, ano após ano, incluído nas listas de homens mais bonitos/sexy/atraentes do mundo, publicadas por revistas como a People e a GQ. Mesmo com 54 anos, mantém o ar jovem e fresco que o trouxe para a ribalta nuns jeans Levi’s e numa T-shirt branca, em Thelma & Louise (1991). Imagem mais distante não poderia ter, precisamente, Javier Bardem, que teima em aceitar papéis que o transformam em "feio, porco e mau", do tetraplégico Ramón Sampedro, em Mar Adentro (2004), ao assassino tresloucado Anton Chigurh de Este País Não É Para Velhos (2007), pelo qual ganhou o Óscar de Melhor Actor. E, no entanto, Bardem "tem ali qualquer coisa" para citar uma franja da população feminina que fascina. O quê será? A Ciência sugere que é a criatividade. Um estudo publicado em 2017 pela Abertay University, na Escócia, diz que "homens com uma grande criatividade, mas com rostos menos atraentes, têm o mesmo grau de atracção no sexo oposto do que homens bem-parecidos com menor grau de criatividade". Não se sugere que as capacidades performativas de Brad Pitt sejam inferiores às de Javier Bardem, apenas que as deste último possam ser superiores – e, por isso, vistas como mais atraentes. Assim se explica uma legião de feios-bonitos como Humphrey Bogart, Sean Penn, Benicio Del Toro, Adrien Brody, Denzel Washington, Vincent Cassel ou Vincent Gallo. A lista, só no Cinema, é quase infinita. 

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Se o leitor duvidar, mesmo que por instantes, da veracidade destas palavras, lembre-se do historial amoroso de Jennifer Lopez, a artista mais cobiçada do planeta ? E não, não estamos a ser machistas, estamos a provar um ponto. Puff Daddy, actualmente conhecido como Sean Combs? Feio. Muito feio. Mas, ainda assim, bonito. Marc Anthony? Francamente assustador, mas com a sua graça no género cantor-de-charme-com-óculos-espelhados-e-camisa-aberta. Alex Rodriguez? O rei dos ugly-pretty do desporto, a par de Karl Malone, ex-jogador de basquetebol. Foi a própria Lopez quem comentou os seus gostos peculiares, numa entrevista à Bravo TV, em 2015: "Não sinto que bonito seja necessariamente sexy. Não sou, digamos, uma pessoa de aparências. Não sei se notaram ao longo dos anos. Vou mais para a essência, para a força, para a masculinidade, a diversão… Sexy!" E não se coibiu de acrescentar: "Eu achava que eles eram todos hot! Mas outras pessoas talvez possam ter pensado: ‘Em que raio é que ela estava a pensar?’" Em defesa de J.Lo, o prazo de validade dos homens bonitos é igual ao de todos os outros. Ewan McGregor, cujo cadastro na Sétima Arte é tão impoluto como a sua aura de gladiador romano permanentemente iluminado por um candelabro dourado, deixou o universo dos bonzinhos de olhos em bico quando, na última cerimónia dos Globos de Ouro, agradeceu o prémio de Melhor Actor numa mini-série à sua (ainda) mulher de 25 anos e à namorada/amante que conheceu nas filmagens de Fargo, pelo qual foi galardoado. A sério, Ewan, até tu? Pensávamos que só "aves raras" da música como Mick Jagger, Steven Tyler, Lenny Kravitz, Iggy Pop ou Jay Z (todos feios-bonitos que se fartam) é que eram dados a esses ímpetos do corpo humano, e afinal…

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De volta ao estudo da Abertay University. Padrões de beleza à parte, "a criatividade é um sinal de que um indivíduo estará disposto a investir o seu tempo e esforço numa qualquer tarefa, de uma nova forma, o que pode ser útil à sobrevivência". Qual tarefa, de que forma, não se sabe ? nem é suposto. É precisamente aí que reside o encanto: para quê descobrir, de antemão, o que fariam Miguel Sousa Tavares ou Paulo Furtado (também conhecido como The Legendary Tigerman) perante a possibilidade de construir um foguetão que nos levasse até Marte, em menos de seis horas? Exacto. Era mais ou menos nisto que pensava, há uns anos, quando deambulava com uma amiga pela inauguração de uma exposição de Richard Prince, em Beverly Hills. O who’s who do entretenimento parecia ter convergido para aquele espaço no coração da cidade e, como na mais enfadonha das frases feitas, os flashes disparavam por todo o lado. Entre os sorrisos e abraços de milhares de dólares, a nossa atenção foi para uma figura sombria, de capuz enfiado pela cabeça abaixo, que inspeccionava os quadros à mesma velocidade que nós. "É o Vincent Gallo!", foi tudo o que consegui sussurrar à Maria Ana que abriu os olhos numa confirmação histérica. Era o Vincent Gallo, o actor/realizador que meio mundo abominava pelo realismo extremo de Brown Bunny (2003) e que outro meio venerava desde Buffalo ’66 (1998) e, porque não assumi-lo, uma série de campanhas de moda que, ainda hoje, enchem álbuns de Pinterest. A presença destoava naquele mar de gente, a nossa também, podíamos ter feito conversa, mas… Deixámos a galeria e o fait-divers morreu ali. Dias depois, procurávamos um sítio para jantar, em Chinatown, quando alguém do nosso grupo exclama, surpreendido: "Olha, é o Vincent!" Em menos de nada, está-se a discutir a possibilidade de ‘o Vincent’ ficar connosco. Acabámos por entrar num restaurante meio ao acaso, enquanto Henry, o nosso amigo em comum, fica a conversar com o actor. Passam dez minutos, vinte, é hora de fazer os pedidos. Vou lá fora chamá-lo e aproveito para fumar. Assim que chego ao pé dos dois homens, vejo a mão de Vincent Gallo estender-se para mim e aqueles olhos de gato iluminarem-se no escuro da noite. "I remember you from the other day." Raramente está frio em Los Angeles, mas tenho a certeza que gelei. Sorri, timidamente, acendi um cigarro e fui-me embora. Ninguém disse que era possível ter reacção perante o inesperado galanteio de um feio-muito-bonito.

Foto: Getty Images

 

 

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