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O professor que processou Oxford por preconceito de idade – e ganhou

Um especialista em Física que foi obrigado a reformar-se há três anos explica o porquê de, com 72 anos, ter lutado para recuperar o seu emprego. Por Joe Shute, Grande Repórter do The Telegraph.

Foto: ©Heathcliff O'Malley
20 de novembro de 2020

‘As pessoas de mais idade querem trabalhar porque isso dá plenitude, significado e propósito às suas vidas" Foi assim que o professor Paul Ewart descreveu o seu primeiro dia de regresso ao trabalho no departamento de Física da Universidade de Oxford: marcou presença num briefing de segurança sobre a Covid-19, numa sala de conferências no famoso Laboratório Clarendon, em Parks Road, e recebeu acolhedoras saudações, se bem que com a devida distância social, por parte dos colegas.

Foi uma espécie de segundo advento para o professor de 72 anos, oriundo de Belfast, que começou a trabalhar naquele local há mais de quatro décadas. Nos últimos três anos, o ex-diretor do departamento de Física Laser e Atómica esteve em situação de ausência forçada, na sequência de uma decisão agora emblematicamente considerada ilegal por um tribunal e que o tinha forçado a aposentar-se.

Esta semana, foi anunciado que a universidade tinha sido obrigada a pagar-lhe os rendimentos perdidos durante três anos, mais uma indemnização de 30.000 libras, além de ter de o readmitir na qualidade de investigador sénior. A chamada "decisão corretiva" tomada pelo tribunal do trabalho constitui uma vitória para o professor Ewart, que processou a universidade por discriminação em relação à idade [idadismo] e dispensa injusta quando o seu contrato não foi renovado em 2017.

Professor Paul Ewart




Abatido por anos de batalhas em tribunal – que lhe custaram dezenas de milhares de libras que não recuperará e que prejudicaram a sua saúde física –, ele sabe que a luta não terminou. A universidade já interpôs recurso, cujo resultado se conhecerá na primavera. "A universidade não vai desistir. Irá continuar a recorrer, porque pode gastar mais do que qualquer pessoa", diz Ewart.

A disputa centra-se em torno de uma política controversa chamada Idade de Reforma Justificada pelo Empregador (Employer Justified Retirement Age – EJRA). Em 2011, quando foi abolida a idade legal de reforma predefinida de 65 anos, a Universidade de Oxford introduziu a regra que obriga o corpo docente senior a aposentar-se antes de completar os 69 anos, na esperança de que isso incentivasse o recrutamento de membros mais jovens e mais diversificados para o corpo académico. As universidades de Cambridge e de St. Andrew usam uma política similar.

Tem havido "baixas" notáveis de figuras de relevo: o professor John Pitcher, um proeminente académico de Shakespeare e membro do St John’s College, Oxford, esteve envolvido numa disputa jurídica semelhante, enquanto Peter Edwards, professor de Química Inorgânica, também levou o seu caso a tribunal. Numa estimativa conservadora, diz o professor Ewart, a universidade já gastou até agora mais de um milhão de libras em custas judiciais a contestar as várias queixas.

"Estou a fazer isto porque acho que tenho o direito de o fazer", acrescenta o professor durante o nosso encontro na sua casa, em Oxford. "Não acho que esteja certo uma instituição poderosa poder fazer uma coisa que é ilegal e ‘safar-se’. Trata-se de uma política que prejudica seriamente as pessoas".

À luz da iminente crise que se fazia sentir no emprego, na sequência da Covid-19, o caso de Paul Ewart teve maior eco. A procura por diversidade tem de incluir uma força de trabalho mais velha, argumenta. "As pessoas mais velhas querem trabalhar porque isso dá plenitude, significado e propósito às suas vidas, e porque elas contribuem com experiência", afirma Ewart. "Conseguir esse equilíbrio no local de trabalho também é importante".

Quando, em 1979, Ewart chegou a Oxford, conhecida como a cidade dos pináculos sonhadores, era um jovem investigador e "teve de se beliscar" para ter a certeza que era tudo real. Afinal de contas, ele era a primeira pessoa da sua numerosa família a ir para a universidade. Os seus pais tinham deixado a escola aos 14 anos e a sua mãe trabalhava na cordoaria de Belfast. O seu pai frequentou o ensino noturno e tornou-se engenheiro e funcionário da Câmara.

Ewart obteve a licenciatura e doutoramento em Física na Queen’s University, em Belfast, onde conheceu a sua mulher, Marlene, na União Cristã. Ele diz que a sua fé e a sua crença na justiça o motivaram a seguir a carreira da docência universitária. Os dois casaram-se em 1972 e no ano seguinte mudaram-se para o Imperial College London, onde lhe foi oferecido um emprego. Têm dois filhos adultos e cinco netos. O professor Ewart diz que o apoio da família e colegas o ajudou a prosseguir esta luta. Recebeu centenas de emails de apoio provenientes de todo o mundo, incluindo da Tailândia, do Canadá e até mesmo do Iémen.

"Perdi muitas horas de sono e isso prejudicou-me", conta. "Houve alturas em que a adrenalina afetou o meu ritmo cardíaco e o médico disse que era por causa do stress". A sua área de especialização estende-se à Física Quântica e Clássica e ele fez algumas descobertas significativas. Inventou uma técnica com recurso a laser para medir a temperatura exata em alturas de calor extermo, que foi adotada pela indústria automóvel para melhorar a eficiência dos motores de combustão.

Antes de perder o seu emprego, Ewart liderava uma equipa que tinha inventado uma técnica usando um único laser para medir simultaneamente múltiplos gases – algo com uma importância vital para ajudar a compreender a abrangência e escala das alterações climáticas. Estavam em curso conversações com o governo chinês para desenvolver o processo, mas, quando foi obrigado a reformar-se, o projeto desmoronou-se. "Foi muito frustrante ver aquela investigação terminar", diz. E refere também uma investigação de Peter Edwards, que está a lutar para poder prosseguir o seu trabalho de conversão de lixo plástico em hidrogénio.

A ideia, e não a idade da pessoa que está por detrás dela, deve ser o mais importante, defende. Ewart mostra-me uma investigação recente publicada na revista Science, que conclui que o trabalho de maior impacto realizado por cientistas ocorre a intervalos aleatórios nas suas carreiras, em vez de ir abrandando com o passar dos anos.

"Eu tinha novas ideias nas quais queria trabalhar, mas a universidade, basicamente, disse-me não estar interessada em novas ideias vindas de pessoas mais velhas", afirma. "Por isso, não importa que ideia é. A discriminação pela idade é flagrante".

Enquanto cientista, processou os números da reivindicação de Oxford de que a política que a universidade segue dá um "contributo substancial" para aumentar a diversidade. Depois de levar a cabo um estudo, pago pelo seu bolso, ele diz que os dados mostram que essa política levou apenas a um aumento de 2 a 4% nas oportunidades de emprego. "Um efeito trivial", decretou o tribunal. Aquela pequena percentagem de pessoas jovens conseguirá encontrar outros empregos, argumenta Ewart, mas, para os académicos mais velhos obrigados a reformar-se, as oportunidades para prosseguirem o seu trabalho não serão as mesmas.

A sociedade tem estado a acolher, a um ritmo constante, uma força de trabalho mais velha. Os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística do Reino Unido estimam que as pessoas com mais de 65 anos adicionarão mais de 280.000 trabalhadores à economia nos próximos 10 anos. O professor Ewart aponta o dedo à intransigência de Oxford em matéria de excecionalismo e conservadorismo inerente. Ele sublinha que a universidade foi das últimas a permitir que as mulheres tirassem a licenciatura (em 1920). E estima que haja cerca de 4.000 académicos sujeitos à regra da reforma e que, apesar de apenas uns quantos se virem obrigados a sair contra sua vontade, a universidade irá confrontar-se com novos ciclos de disputas em tribunal se persistir com esta regra.

Em comunicado ao The Telegraph, a universidade destacou uma anterior decisão judicial sobre um outro caso, "mas com o mesmo peso legal", que decretou a favor do EJRA aplicado em Oxford. "A universidade decidiu que não aceita a decisão mais recente do tribunal e que irá recorrer. A política do EJRA continua em vigor e continuará a ser aplicada como de costume", disse um porta-voz da universidade.

O professor Ewart cita vários colegas que saíram de Oxford em vez de se confrontarem com a situação inevitável de serem dispensados. É uma amarga ironia que, ao virar as costas à sua força de trabalho com mais idade, a universidade não esteja a cumprir os valores progressistas que diz defender, diz Ewart.

Créditos Texto: Joe Shute/The Telegraph/Atlântico Press

Créditos Foto: Heathcliff O'Malley /The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Carla Pedro

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