Viver

O lado sedutor do risco

“Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.” Para Samuel Beckett, uma falha será sempre melhor que a anterior. Mas a verdade vai mais além e correr riscos pode ser realmente benéfico. Arrisque-se a entender porquê.

Foto: The Walk: O Desafio | Sony Pictures © 2015 CTMG
11 de setembro de 2019 | Pureza Fleming

A vida é como uma longa autoestrada. Ela dá-nos sempre, pelo menos, duas opções. Podemos seguir pela autoestrada, perfeitamente alinhados com o conforto que esta nos proporciona – o piso liso, adequado e reconfortante, a certeza do destino para onde esta nos encaminha, a noção de que, se alguma coisa correr mal, haverá sempre uma estação de serviço que nos poderá atender e socorrer. A outra opção, que na realidade se multiplica por várias, diz respeito às diversas saídas que a autoestrada (ou a vida) vai colocando no tal caminho. Muitas vezes uma incógnita, estas saídas em nada garantem o conforto e a segurança da autoestrada. Tantas vezes o que se avizinha são trilhos esburacados e incómodos, caminhos incertos, repletos de percalços, vias que podem vir a abanar tremendamente a viatura (ou a vida). Em simultâneo, estes caminhos podem também vir carregados de boas surpresas. Passados os possíveis solavancos que a incerteza destes trajetos acarretam consigo, muitas vezes são também eles que permitem que se alcancem lugares verdadeiramente paradisíacos. Sítios mágicos, cheios de novidades de que, caso tivéssemos seguido por aquela segura e habilitada autoestrada, jamais teríamos tomado conhecimento. Nesta espécie de metáfora da vida, a questão que se coloca é a seguinte: poderá o ato de arriscar levar o sujeito que arrisca a um ótimo porto? A resposta é positiva. Quem o diz é a história, bem como os numerosos casos de sucesso espalhados pelo mundo, ao longo dos séculos. Quem o diz é aquele ditado, não especialmente bonito, talvez até um pouco grotesco linguisticamente falando, mas que vem carregado de razão: quem não arrisca efetivamente não petisca.

Francisco Amaral, de 42 anos de idade, é advogado desde 1999 e apresenta um acuradíssimo percurso profissional que se reflete num currículo de excelência. Com uma forte componente internacional (principalmente geográfica), passou uma longa temporada em África e, já em Portugal, pisou algumas das melhores firmas de advogados. No final do ano de 2015, inícios de 2016, abre um escritório próprio com sede em Lisboa. Em 2017, resolve pôr de lado um pouco da sua vida jurídica – não abandonando o seu escritório de advogados, mas colocando-o em segundo plano – para abrir uma coffee house na movimentada Rua de São Paulo, em Lisboa, chamada Comoba. Em conversa com a Must, Francisco conta como é que surgiu a vontade (associada ao risco) de fazer algo novo e tão diferente da sua área. "Foi precisamente em 2017 e foram vários os motivos. Primeiro, o facto de eu ter uma profissão cuja natureza está intimamente ligada ao sector e ao mundo corporativo despertou em mim um interesse em estar atento a novas oportunidades de negócio nas mais diversas áreas, numa componente de gestão do próprio negócio. Tal sucedeu, em simultâneo, com uma fase da minha vida em que eu passei a estar mais desperto para as áreas criativas e que me levou a fazer uma espécie de reflexão acerca do meu futuro: onde eu gostaria de estar e que estilo de vida eu gostaria de ter… A partir daqui, comecei a pensar em conceitos que casassem com o despertar destes novos interesses. Daí até à certeza de que era a área de lifestyle onde eu gostaria de estar, foi um pulo…" O advogado, e hoje também sócio do espaço Comoba (a par com mais dois sócios que partilham dos mesmos ideais), conta que iniciou, de imediato, um percurso de procura de negócios e de conceitos onde pudesse concretizar essas ideias que acabara de desenhar para si, como sendo o estilo de vida com o qual se identificava e onde se concretizava profissionalmente, mas, acima de tudo, pessoalmente. Francisco Amaral traz à superfície um outro fator importante que auxiliou ao crescimento deste novo negócio: "O momento que Lisboa estava a atravessar foi também importante. O turismo e a oferta na área da restauração… Tendo eu tido a oportunidade de viajar ao longo da vida e de me deparar com outras culturas e outros conceitos mais urbanos, eu achei que fazia sentido reunir, num só espaço, estas ideias que fui coletando. Um espaço que Lisboa ainda não tinha, onde a oferta recairia sobretudo num estilo de alimentação saudável com recurso a produtos locais e uma oferta diversificada de chás, de cafés… Além de ser um espaço com horários alargados adaptados aos ritmos estrangeiros", explica com entusiasmo.

Acerca da questão do risco profissional, Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Invesco Transearch e que soma mais de 30 anos de experiência em recrutamento de executivos e de gestores de empresas, clarifica: "Uma mudança profissional implica sempre um risco e é desejável que isso aconteça, pois, quando não há nenhum risco associado a uma mudança, tal pode significar que essa mudança não trará oportunidade de crescimento." Francisco Amaral concorda: "Risco existe sempre do ponto de vista pessoal, como simplesmente ver a ideia a falhar, ou do ponto de vista financeiro quando, por exemplo, os números não batem certo. O risco assume-se numa primeira instância. A forma de contrariar esse risco é acreditar-se muito naquilo que se está a fazer. Acreditar-se tanto na ideia que quando nos deitamos à noite o risco desaparece. Acreditando profundamente na ideia, cria-se uma energia para a fazer acontecer e para ver a mesma desenvolver-se. No caminho do desenvolvimento da ideia vai-se captando a sua viabilidade também através da sensibilidade das pessoas que nos rodeiam, primeiro das mais próximas e depois das mais distantes que, de certa forma, se ligam ao projeto. Tal também ajuda a diminuir a ideia de risco", deslinda o advogado e empresário. Em todo o caso e como em tudo na vida, "há que avaliar o risco nas mudanças profissionais e, independentemente de todos nós sermos mais ou menos avessos ao risco, a assunção de risco é mais do que saudável", acrescenta a head hunter. Já na calha dos resultados, Francisco Amaral confessa que, apesar do sucesso que se viu nos números pouco tempo após a abertura do espaço, não existia expectativa nenhuma do ponto de vista financeiro no momento da conceção do projeto: "A grande expectativa era se o conceito e ideia desenvolvidos responderiam às necessidades das pessoas, àquilo que os potenciais clientes desejariam, se aquilo lhes fazia sentido. Se tudo corre bem nessa área, os resultados surgem!" Tal premissa transporta-nos, mais uma vez, à convicção de que o sucesso não cai simplesmente de paraquedas na vida de alguém. É preciso correr – e arriscar – para alcançá-lo.

Joseph Gordon-Levitt no filme 'The Walk: O Desafio' (2015)
Joseph Gordon-Levitt no filme 'The Walk: O Desafio' (2015) Foto: The Walk: O Desafio | Sony Pictures © 2015 CTMG

Numa entrevista para o The Huffington Post, quando questionada acerca de como se havia tornado na primeira mulher CEO de uma rede de televisão, Kay Koplovitz respondeu: "É realmente necessário que comece por colocar um pé à frente do outro e dar início ao percurso. É preciso que a pessoa se sinta à vontade com o facto de não saber exatamente como vai chegar aos resultados que deseja. Haverá experimentação ao longo do caminho. E é essencial estar-se à vontade para se poder pensar no caminho que se quer fazer e executá-lo, de facto, até alcançar o resultado desejado. Eu esperava ser bem-sucedida. Eu queria ser bem-sucedida." É claro que as coisas não são lineares e que, por vezes, ficar-se na zona de conforto, na tal autoestrada descrita no início deste artigo, traz uma segurança de que muitos não estão dispostos a abdicar. Contudo, é certo que para se ter sucesso e um sucesso que vai além da zona de conforto, correr riscos é mandatório. Ou assim volta a confirmar aquela profissional em recrutamento de executivos e de gestores: "Sim, sem dúvida. Convém, porém, que os riscos sejam bem calculados, ponderados e que a oportunidade de mudança que temos pela frente contribua, de facto, para o crescimento profissional e se está devidamente enquadrada no plano de carreira que todos deveríamos ter."

É importante fazer uma ressalva que o leitor pode estar a excluir da equação. Quando nos referimos a sucesso, incluímos o sucesso pessoal, além do profissional. O caso de Francisco Amaral retrata bem esta ideia. Com uma carreira sólida e bem conseguida na área do direito, foram os seus desejos pessoais, da vida como um todo, que levaram aquele advogado a atirar-se para a chamada área "fora de pé". Arriscar é como um jogo em que se acerta ou não. No entanto, quem está a arriscar sabe que está a colocar ambos os cenários em cima da mesa. Ainda que a prova não seja superada (pelo menos, à primeira), arriscar também significa aprender. Aprendemos com os riscos e são essas lições que nos podem encaminhar para um novo e excitante percurso. Além das oportunidades externas e do reconhecimento que o risco pode trazer, este também oferece uma oportunidade para o crescimento interno.

Heather Rabbatts, a primeira diretora não executiva da The Football Association, contava à BBC, em entrevista para a Woman’s Power Hour List: "Eu sempre senti que havia algo de muito interessante em assumir riscos. Eu sou fascinada tanto pelo risco quanto pela aprendizagem que este implica e foi isso que me levou a aceitar empregos de que as pessoas pensavam: ‘Você não pode fazer isso! É impossível.’ Só que não, não é." Mais do que falhar, é importante olhar para um risco que não é bem-sucedido, à primeira, como um não-sucesso. Um não-sucesso carregado de lições que, risco após risco e falha após falha, acabará por conduzir a um bem-sucedido resultado. Até porque, como disse o realizador de cinema George Lucas numa entrevista, em 2013, para o blogue Art Works, o verbo falhar mais não é do que um sinónimo da palavra experiência.

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