Prazeres / Sabores

Howard’s Folly: um desvario em Estremoz

Foi bem no centro de Estremoz que descobrimos um espaço surpreendente, que se divide entre adega, restaurante e centro de arte, tudo acompanhado por vinhos de autor, com assinatura reconhecida.

02 de outubro de 2020 | Bruno Lobo

Estamos desculpados por pensar que os porcos que decoram o restaurante, muitos e de várias cores, têm alguma coisa que ver com o montado alentejano. Na verdade, podemos pensar o que quisermos, porque a arte sujeita-se à interpretação individual, mas é interessante saber que, afinal, as peças foram criadas para celebrar o ano do porco, na China, e fizeram parte de uma pig parade que Howard Bilton organizou em Hong Kong. Howard, estão a ver?

"The Folly, o tal restaurante decorado com porcos"




Parece estranho começar por falar de porcos chineses, quando o objetivo é contar a história de um projeto de enologia e gastronomia em Estremoz, mas também não é normal, numa adega, a zona onde se faz a seleção das uvas ter um grafiti gigante por trás. Ou à entrada sermos recebidos por um enorme painel com uma reinterpretação moderna do Juízo Final, de Michelangelo. Este Howard’s Folly não é definitivamente um projecto normal, nem sequer pelo nome, a loucura do Howard e, como sabemos loucura e génio andam frequentemente de mãos dadas.

O painel de street art foi desenhado pelo grafiter local Le Funky, enquanto que o painel é obra do artista chinês Miao Xiaochun, que aliás se autorepresenta em cada uma das figuras.
O painel de street art foi desenhado pelo grafiter local Le Funky, enquanto que o painel é obra do artista chinês Miao Xiaochun, que aliás se autorepresenta em cada uma das figuras.

 






Howard Bilton é um empresário inglês sediado em Hong Kong, e foi lá, no enclave que tudo começou, com uma garrafa de Esporão à frente. Adorou o vinho, ou melhor apaixonou-se pelo vinho e quis conhecer melhor a região e o enólogo que faziam aquela maravilha. Por sorte tanto o Alentejo como David Baverstock mostraram-se perfeitamente à altura das suas expectativas e propôs-lhe imediatamente uma parceria para fazerem vinhos juntos.

Howard Bilton & David Baverstock
Howard Bilton & David Baverstock




Para quem está menos familiarizado com o nome, Baversock é o enólogo da Herdade do Esporão, e apesar de australiano é unanimemente considerado como um dos grandes enólogos de Portugal e um dos responsáveis pela modernização da vinificação no país. Aliás, foi o único estrangeiro a ser eleito enólogo do ano - e ainda repetiu a façanha, antes de ser agraciado com a comenda da Ordem do Mérito Empresarial pelo Presidente da República.  

Baverstock entusiasmou-se com esta ideia de fazer vinhos boutique e aceitou o desafio. Estávamos em 2002 e nascia assim a Howard’s Folly.

Vinho Howard's Folly
Vinho Howard's Folly




Os vinhos são feitos com uvas provenientes da zona de Portalegre, no Alto Alentejo, no granito da Serra de São Mamede, que David adora: "Acreditamos muito nesta região de clima fresco, como sendo o futuro do Alentejo, e que nos permite fugir aos riscos das mudanças climáticas". Também permite produzir vinhos com uma longevidade impressionante. Os primeiros saíram em 2008 e ainda hoje apresentam uma jovialidade incrível. "Trabalhamos com muitos agricultores locais" continua David, "que nos fornecem uvas de vinhas velhas, com as quais estamos a fazer vinhos super premium." Esta aposta em vinhas velhas revela muito sobre o projeto, que tem outra especificidade, pois além para além dos alentejanos, apostam também nos vinhos verdes - e para isso produzem, no Minho, na região de Melgalço, um Alvarinho de grande qualidade. A ideia é, mais uma vez, mostrar o potencial de envelhecimento da casta, e se o mais recente a chegar ao mercado data de 2017, ainda têm garrafas à venda de 2013.

"A Adega fica localizada bem no Centro de Estremoz, num bonito edifício caia de branco que quase parece um castelo mas em tempos foi um grémio."






Até 2018 o projeto funcionou em adegas alugadas, mas nesse ano adquiram uma casa própria, onde podem trabalhar com outra dinâmica e até fazer algumas experiências, como o vinho da talha que sairá muito em breve. A Adega fica localizada bem no Centro de Estremoz, num bonito edifício caia de branco que quase parece um castelo mas em tempos foi um grémio. Ter uma adega urbana é uma raridade e permitiu explorar melhor a vertente do enoturismo e gastronomia com a criação, já no início deste ano do The Folly, o tal restaurante decorado com porcos. Faltou referir como a solidariedade é uma vertente muito importante deste projeto, nomeadamente através da Sovereign Foundation, que Howard criou e que procura ajudar as crianças mais carenciadas. Muitas vezes a arte serve para financiar a Fundação, através de leilões de angariação, como foi o caso da pig Parede me Hong Kong.

Os porcos decorativos do restaurante The Folly
Os porcos decorativos do restaurante The Folly




Mas os porcos nem sequer são as únicas obras de arte neste espaço extraordinariamente bonito e espaçoso, decorado pelo telier Arkstudio, os mesmos que fizeram, por exemplo, o Prado, em Lisboa.

Na cozinha está o chef Hugo Bernardo, que não inova propriamente no conceito, ou seja, produtos "da terra para o prato" e (maioritariamente) a recriação de pratos tradicionais, mas revela bem a sua criatividade quando o faz, como no saborosíssimo Naco de Vazia Alentejana, servido com redução de vinagre Balsâmico, queijo de ovelha curado, coentros e cebola frita. Outras vezes sai fora do guião e apresenta-nos um extraordinário Camarão Kataifi (envolto em massa Kataifi), temperado com ervas aromáticas locais e acompanhado por uma deliciosa maionese de manjericão. A maior parte dos pratos estão pensados para ser partilhados, num ambiente descontraído e sempre bem acompanhados pelos vinhos, até porque no mesmo espaço funciona a loja de vinhos… e não se vá embora sem levar umas "lembranças".

"Camarão Kataifi (envolto em massa Kataifi), temperado com ervas aromáticas locais e acompanhado por uma deliciosa maionese de manjericão."







Os vinhos

São três os Sonhadores que nos fazem sonhar: um branco, um rosé e um tinto. Ou melhor quatro, porque ainda existe o Sonhador Alvarinho, o vinho Verde. O preço é igual para os quatro: 12 euros. Segue-se um Tinto Reserva (28 euros) e, para breve, o primeiro Branco Reserva. Por fim, existem algumas edições especiais, como o monocasta Touriga Nacional e o 6033, com uma seleção de lotes de 2010, 2011 e 2012 (a soma perfaz os 6033).

Saiba mais Estremoz, vinho, vinicultura, Alto Alentejo, Adega, Folly, China, bens de consumo, negócios (geral), gastronomia
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