Prazeres / Sabores

Gastronomia de Washington contrasta com a política indigesta

A capital dos EUA não é a escolha óbvia para um elogio destes, mas muita coisa está a mudar na cidade.

Casa Branca
Casa Branca Foto: Getty Images
20 de dezembro de 2019 | Bloomberg

Numa era de polarização extrema, não surpreende que uma das maiores polémicas culinárias do ano tenha surgido em Washington. Em janeiro, a paralisação orçamental do governo americano afetou o "buffet" da Casa Branca, mas o presidente Donald Trump recebeu a equipa campeã da liga universitária de futebol americano Clemson Tigers com 3.000 dólares em comida do McDonald’s, Wendy’s e Burger King servidos em travessas de prata.

Não foi por falta de opção: Washington, apesar de tudo o que se ouve por aí, é o destino gastronómico mais empolgante dos EUA. A capital não é a escolha óbvia para um elogio destes. Los Angeles tornou-se o destino badalado, recebendo chefes de renome como Gabriela Cámara, David Chang e Enrique Olvera, que abriram ou estão a planear novos conceitos na metrópole da Califórnia. Oportunidades proporcionadas por empresas de media como a Netflix — que produz séries como Ugly Delicious e Chef’s Table — tornaram Hollywood atraente para a imprensa especializada num momento em que as revistas tradicionais de gastronomia caminham para a extinção.

O ano foi difícil para outra candidata de sempre: Nova Iorque. Por lá, entrou em vigor o salário mínimo de 15 dólares por hora e os preços das rendas estão proibitivos. As maiores inaugurações de restaurantes na cidade em 2019 foram num centro comercial, o Hudson Yards, ou são reedições de velhos favoritos como o Pastis.

Já Washington tem uma cena gastronómica formada por competidores menos vistosos, que juntos elevam a cidade à liderança do campeonato.

Chefs como Jean-Louis Palladin, que servia os figurões do governo Ronald Reagan, e Nora Pouillon, precursora da onda orgânica, tornaram a cidade atraente já na década de 1980. Eles prepararam o terreno para gente como José Andrés, que ajudou a apresentar as tapas aos americanos. Os ingredientes típicos da região de Washington também são generosos, especialmente os queijos da Virgínia, as ostras de Rappahannock e os caranguejos de Maryland.

Estes são alguns dos motivos para o sucesso da capital americana:

Tamanho certo

Os restaurantes nunca ficam a uma distância maior do que 20 minutos de carro. A região à beira de água de Wharf, um projeto de dois mil milhões de dólares, atraiu "chefs" de grande prestígio como Fabio Trabocchi, do Del Mar, e Cathal Armstrong, do Filipino Kaliwa.

Público apreciador

A cidade tem uma percentagem elevada de famílias em que os dois adultos têm rendimentos e escolaridade elevada, gostam de comer fora e destacam-se pelo paladar apurado.

Incubadora de conceitos

Alguns dos mais importantes restaurantes informais do país — Five Guys, Cava, &pizza e Sweetgree — tiveram origem em Washington. Isto graças à elevada parcela de jovens profissionais (a idade mediana dos habitantes da cidade é 34 anos, a segunda menor dos EUA) e aos custos acessíveis para abrir um negócio. Na nova geração estão o indiano Spice 6, o Taco Bamba e o Falafel (que vende sanduíches por 3 dólares e doa uma parcela do valor de cada pedido a refugiados, sob uma parceria com o Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas).

Ênfase em preços acessíveis

O menu de degustação de um dos melhores restaurantes da cidade, o Komi, citado no guia Michelin e um dos preferidos do ex-presidente Barack Obama, custa 165 dólares. Até os restaurantes mais caros parecem razoáveis na comparação com rivais de São Francisco, onde os menus de degustação custam algumas centenas de dólares.

Opções globais

Washington é uma das cidades com maior diversidade nos EUA, onde vivem pessoas de mais de 170 nacionalidades e grupos étnicos. É de longe o melhor lugar do país para provar a culinária das Filipinas e tem diversos restaurantes de comida da Etiópia, nomeadamente o Zenebech.

Mentalidade comunitária

A capital serve de ponto de encontro para "chefs" e estabelecimentos de perfil ativista. O restaurante Immigrant Food, a um quarteirão da Casa Branca, mistura especialidades de vários países no mesmo prato, como lentilhas da Etiópia e bife ao estilo de El Salvador. Quando não está aberto ao público, o Immigrant Food cede o espaço para aulas de inglês e qualificação profissional para imigrantes.

Washington é a base do mais famoso chef ativista do planeta, José Andrés, atuante em áreas de desastre, mas também localmente. A sua organização sem fins lucrativos, chamada World Central Kitchen, serviu mais de 100.000 refeições a funcionários públicos e seus familiares durante os 35 dias em que o governo foi paralisado por causa de um impasse orçamental. "Agora eu posso ir onde precisam de mim", diz.

 

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