Estilo / Relógios e Jóias

As “devoradoras” de jóias

Para Elizabeth Taylor ou para a Duquesa de Windsor, as jóias nunca eram demasiadas. Elas são parte de uma era de ouro e de um grupo restrito de mulheres cujas peças de joalharia se tornaram tão célebres como as suas possessoras.

Foto: Getty Images
13 de dezembro de 2019 | Eduardo Câmara

"A única palavra que a Elizabeth conhece em italiano é: Bulgari", ironizava Richard Burton acerca da paixão de Liz Taylor, a mulher com quem casou duas vezes, por jóias e, muito em especial, pelas preciosidades criadas pela Casa Bulgari. Chegou a confessar: "Eu dei a conhecer a cerveja a Liz e ela deu-me a conhecer a Bulgari." A paixão de Burton por Taylor era expressa em jóias, numa corrida desenfreada contra Aristóteles Onassis que, nos anos 60, também não olhava a algarismos para comprar jóias à então mulher, Jacqueline Bouvier Kennedy Onassis, vulgo Jackie O. Também Carlo Ponti, não tão faustosamente, entrava na "corrida" e oferecia jóias a Sophia Loren. Nas memórias que escreveu no livro Elizabeth Taylor: My Love Affair With Jewelry, a actriz, distinguida com dois Óscares e dotada com olhos de uma cor única de violeta, conta que Richard Burton era tão romântico que lhe oferecia jóias a propósito de coisa nenhuma. As peças de joalharia oferecidas por Burton, bem como as que foi recebendo de alguns dos demais seis maridos e as que foi adquirindo ao longo do tempo tornaram a colecção de jóias de Taylor a mais importante, a nível privado, ainda hoje. As jóias que integraram os 1778 lotes de A Colecção de Elizabeth Taylor (constituída pelo espólio composto por peças de moda, de decoração e de recordações de filmes que interpretou) foram leiloadas pela Christie’s, em Nova Iorque, de 3 a 17 de Dezembro de 2011, por decisão dos herdeiros da actriz que se desfizeram dos bens legados assim que puderam. O leilão rendeu, em valores da altura, 156 756 576 dólares (120 702 563 de euros), excedendo as mais optimistas expectativas da leiloeira, devido ao interesse de licitadores de 36 países. Ter o que quer que seja de Elizabeth Taylor é um triunfo.

A colecção de jóias de Taylor começou com um anel oferecido por Burton e criado pela Bulgari, em 1961, composto por uma esmeralda octogonal de cerca de 8 quilates e por 12 diamantes em forma de pêra, num total de perto de seis quilates, incrustados em platina. Foi a primeira prova de amor material de Richard Burton durante o famoso Le Scandale que envolveu ambos os actores durante as filmagens, em Roma, de Cleópatra. O filme que foi ruinoso, financeira e artisticamente, também acabou por o ser para os casamentos de ambos (Burton estava casado com Cybill Christopher Burton e Taylor com Eddie Fisher que o havia "roubado" à cândida Debbie Reynolds). Os encontros amorosos entre ambos, fora dos estúdios da Cinecittà, foram captados pelas lentes poderosas das objectivas dos paparazzi que, através da divulgação de imagens não autorizadas deste escândalo, lançaram um género fotográfico que não poupa figuras públicas. De resto, Taylor confessou que o único interesse que encontrou durante as rodagens de Cleópatra foram as idas regulares "à encantadora lojinha da Bulgari", na Via dei Condotti, sendo, com Burton, amiga dos irmãos Paolo e Nicola Bulgari, herdeiros da famosa casa de jóias. Entre as ofertas de Burton constam o anel com um diamante de 33 quilates e sem a mínima imperfeição, ofertado em Maio de 1968, o mais famoso dos diamantes brancos da actriz e que a mesma usou quase diariamente até ao fim da vida, em 2011; o extraordinário colar de pérolas, rubis e diamantes com a famosa La Pelegrina, a pérola em forma de pêra (descoberta no século XVI e pertença de rainhas como Maria Tudor ou Isabel, a Católica) como pendente, e que foi oferecido em Janeiro de 1969, tendo sido desenhado por Taylor com a colaboração de Al Durante, da Cartier; o adereço em que se destaca o célebre colar com 16 esmeraldas rodeado de diamantes com uma grande esmeralda, a 17.ª, como pendente e que a actriz exibiu ao longo dos anos.

Elizabeth Taylor em Las Vegas, Agosto de 1959
Elizabeth Taylor em Las Vegas, Agosto de 1959 Foto: Getty Images

Elizabeth Taylor foi a mais celebrada entre as grandes "devoradoras" de jóias, das quais constam Wallis Simpson, a Duquesa de Windsor (1896-1986); Liliy Safra (1934-presente); Luz Mila Patiño Rodriguez, a Condessa du Boisrouvray (1909-1958); Salimah Aga Khan (1940-presente); a Princesa Margarida de Inglaterra (1930-2002); Jayne Wrightsman (1919-presente); e a princesa Gloria von Thurn and Taxis (1960-presente). Por herança, por legado ou por oferta dos maridos, todas são emblemáticas de uma era de fausto, sobretudo no pós-guerra, com o apogeu dos grandes magnatas, do jet set, dos bailes faustosos, da Alta Costura e da Alta Joalharia, do cinema e dos media. As Grandes Dames, as estrelas de cinema, as aristocratas e as socialites eram, de certo modo, a "montra" da riqueza dos maridos, em público. Aos homens, aos quais passou a ficar vedada a joalharia após a Revolução Industrial, como referimos num número anterior da Must, restam os relógios e, por isso, as jóias são um apanágio e privilégio feminino. Dantes, as mulheres ricas posavam com as jóias em quadros que eram vistos por um círculo restrito de familiares e de amigos, mas com o desenvolvimento do cinema e da fotografia, que contribuíram para a irrupção de revistas para as mulheres, as actrizes, as herdeiras e as que faziam parte da realeza, da nobreza e da aristocracia, tanto na Europa como nos Estados Unidos, tiveram a oportunidade de exibir as suas colecções de jóias para deslumbramento dos leitores. Foram também os media que catapultaram para uma outra dimensão os grandes joalheiros europeus (sediados em Paris, Londres e Roma) ao divulgarem as suas criações. Existiram outras mulheres possuidoras de jóias raras, mas davam-se a um resguardo público, até por razões de segurança pessoal. Possuíam uma ou outra peça rara, mas não eram "viciadas" em jóias, como Elizabeth Taylor, por exemplo. As actrizes estavam sempre na ribalta e concorriam entre elas, como Taylor, Sophia Loren, Gina Lollobrigida ou, até, as mais antigas, como Mae West ou Gloria Swanson, nos anos de 1920 a 1950. West tem, de resto, uma "tirada" famosa no filme Noite Após Noite, de 1932, quando, num clube nocturno, a rapariga do bengaleiro exclama, ao ver um pulseira de diamantes no pulso da actriz: "Goodness, what lovely diamonds!" Ao que Mae West riposta: "Goodness had nothing to do with it, dearie". Swanson era diferente. Comprava as jóias e usava-as sem espalhafato e recorria às mesmas como adereços do guarda-roupa nos filmes em que contracenava, como foi o caso do soberbo O Crepúsculo dos Deuses (1950). As duas famosas pulseiras em diamantes (de um lote de seis do mesmo modelo, mas únicas devido a elementos diferentes no número de diamantes ou de fileiras) adquiriu-as na Cartier, de Paris, na década de 1920, mas que se continua a assegurar terem sido um presente do então amante, Joseph Kennedy, patriarca do clã com o mesmo apelido.

Marlene Dietrich em 1955
Marlene Dietrich em 1955 Foto: Getty Images

Marlene Dietrich, neta dos mais famosos joalheiros de Berlim, era outra apaixonada por jóias e usava-as, também, nos seus filmes. A ostentação e o gosto desmesurado por jóias teve o seu apogeu nos anos de 1950 e na década seguinte. O boom económico do pós-guerra propiciou o retorno a jóias criadas em metal branco precioso (ouro branco ou platina) e pejadas de pedras preciosas, designadamente de diamantes que, tal como nos anos de 1930, voltariam a ser as pedras preciosas em voga. A Alta Joalharia mantinha-se como um métier francês, com a chancela de requinte e de criatividade parisiense, mas bem mais elaboradas, com um design mais arrojado e bem mais incrustadas de pedrarias do que as congéneres do período de antes da II Guerra Mundial. O cinema americano continua a dar oportunidade para que marcas de joalharia famosas ou designers de jóias se tornem comuns perto do público com peças utilizadas em filmes: Trabert&Hoeffer-Mauboussin/Desire (1936), com Dietrich; Harry Winston/Difamação (1946), com Ingrid Bergman; Harry Winston/Os Cavalheiros Preferem as Loiras (1953), com Jane Russell e Marilyn Monroe; Tiffany & Co./Boneca de Luxo (1961), com Audrey Hepburn; Bulgari/Cleópatra (1963), com Liz Taylor; Fred Joaillier/Pretty Woman, Um Sonho de Mulher (1990), com Julia Roberts; Asprey&Garrard/Titanic (1997), com Kate Winslet; Stefano Canturi/Moulin Rouge (2001), com Nicole Kidman; Fred Leighton/Marie Antoinette (2006), com Kirsten Dunst; Chanel Fine Jewelry/Anna Karenina (2012), com Keira Knightley; Tiffany &Co./O Grande Gatsby (2013), com Carey Mulligan. A grande diferença é que, até aos anos 70, as actrizes usavam as próprias jóias (e roupas…) e não eram a "montra" de marcas que as patrocinam em ocasiões públicas, como hoje sucede. Os tempos das "devoradoras" de jóias acabaram, tal como as eras do glamour no cinema e das grandes festas organizadas pelos Getty, Patiño, Schlumberger, Melon ou Rothschild que fomentavam esse tipo de exibicionismo de luxo. Já não se repetirão as eras em que o Duque de Windsor desenhava jóias para que a Cartier as recriasse para adornar Wallis Simpson, a mulher por cujo amor abdicou do trono de Inglaterra. Mas as criações continuam delirantes, independentemente de quem as usar. Mae West é que tinha razão, ao declarar naquele tom de voz rouco e trocista: "I never worry about diets. The only carrots that interest me are the number of carats in a diamond."

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