Estilo / Moda

Trench coat forever

Nasceu nas trincheiras, mas cresceu para se tornar um dos maiores ícones de moda mundial. Uma história de sangue, sucesso e glamour.

Casablanca (1942)
Casablanca (1942) Foto: IMDb
12 de maio de 2020 | Bruno Lobo

O trench coat assistiu a tudo. Trincheiras e passerelles, tiros de espingarda e disparos de câmaras. Foi desejado por soldados no meio da lama e cobiçado por bloggers, ansiosos por imitar o look de uma Rihanna ou Alexa Chung. Nunca saiu de moda e provavelmente nunca sairá. Christopher Bailey, que reconstruiu a imagem da Burberry, é um fã assumido do trench coat, tal como Phoebe Philo, que redefiniu com muita subtileza a elegância feminina do mesmo a partir da marca Céline. Ambos usaram e abusaram do trench nas suas colecções e quem os seguiu não pretende ficar atrás. Heidi Slimane cortou completamente com o passado recente da Casa Céline naquele que foi o momento mais esperado da Semana de Moda de Paris, mas não se esqueceu de apresentar vários trench coats no seu desfile de estreia. O mesmo aconteceu com Riccardo Tisci, o actual designer da Burberry, que deu a essa peça icónica a honra de inaugurar o seu primeiro desfile para a marca britânica. Versace, McQueen, Balenciaga, Margiela, Gaultier, Comme des Garçons, DSquared² ou Gucci são apenas alguns dos nomes seguidores do famoso resguardo, de entre uma lista que cresce todas as estações. E a cada novidade correspondem mais modelos, novos cortes, outros tecidos (da pele ao plástico) e cores, muitas cores.

Le samouraï (1967)
Le samouraï (1967) Foto: IMDb


Mas o brilho dos holofotes não pode fazer esquecer o clássico caqui, nem nós nos devemos esquecer das suas origens: o trench coat nasceu no meio de uma guerra, onde a camuflagem era fundamental. Como escreve Jane Tynan no livro British Army Uniform and The First World War: Men in Khaki: "Os exércitos usavam cores muito vivas, muitas vezes ligadas às cores do país, sobretudo por uma questão de honra. Na I Guerra Mundial os soldados franceses ainda usavam calças vermelhas porque era uma desonra lutarem camuflados." O mesmo já não se passava com os soldados ingleses, "que desde os motins indianos de 1857 se tinham habituado ao caqui" que, aliás, é a palavra hindu para poeira. "Desde então", continua a autora, "o exército inglês considerava já o pragmatismo mais importante do que a honra e os uniformes tornaram-se mais funcionais e as funções decorativas ficaram em menor evidência".

Mas só por si a cor não explica o sucesso. O tecido em algodão resistente à água fazia toda a diferença, especialmente quando comparado com os pesados sobretudos em lã do equipamento standard que ensopavam nas trincheiras sob a chuva. O design era muito mais funcional e possuía argolas em D no cinto e que podiam transportar granadas, mapas ou outro equipamento militar. Uma aba superior providenciava protecção adicional para as armas em momentos de combate e um protector nas costas repelia ainda mais a chuva, ajudava a manter o interior seco e salvaguardava as costas de tiros. Pela primeira vez, a roupa fez parte da tecnologia de guerra. Na guerra pela autoria do invento de uma peça que hoje abriga das intempéries homens, mulheres e crianças, duas marcas reclamam a paternidade da invenção e nenhuma conseguiu alguma vez impor a sua versão. De um lado da barricada temos a Burberry que defende que Thomas Burberry inventou – e patenteou – um novo tecido resistente à água, em 1879. Talvez conheçam o nome que lhe deu: gabardine. Depois, ainda em 1912, desenhou também um casaco precursor do trench, o Tielocken, com um corte e cintos já muito semelhantes. Do outro lado da barricada está a também britânica Aquascutum, cujo nome significa literalmente "escudo contra a água". Em sua defesa alega a criação de um tecido e de um casaco impermeáveis, ainda em 1851. Muito provavelmente as duas têm razão. O certo é que ambas começaram a desenhar o mesmo tipo de casaco para os oficiais na I Guerra e longe de imaginar o impacto que este teria na moda mundial.  

A Farewell to Arms (1932)
A Farewell to Arms (1932) Foto: IMDb


Com o fim da guerra, o trench teve uma transição muito suave para a vida civil. Perdeu as divisas militares, mas não a popularidade entre os oficiais que o continuaram a usar, nem entre os civis que o adoptaram, até por uma questão de orgulho patriótico. Até as mulheres foram conquistadas nessa época. Marlene Dietrich, Greta Garbo e Audrey Hepburn são excelentes exemplos de como esta peça se adaptou na perfeição a um look feminino mais forte. Nesses anos, e também nos seguintes, o Cinema teve um papel fundamental na popularidade do trench coat, revelando-o num número infinito de actores de ambos os sexos. Quem se pode esquecer de Humphrey Bogart, em Casablanca, despedindo-se de Ingrid Bergman? Ou de como Catherine Deneuve ficava sexy em Belle de Jour num trench muito justo e negro, desenhado por Yves Saint Laurent? Jane Birkin, pelo contrário, mostrava como essa indumentária podia ser alegre e casual sobre uma mini-saia e sabrinas.

Brad Pitt e Matt Damon em Ocean's Twelve (2004)
Brad Pitt e Matt Damon em Ocean's Twelve (2004) Foto: IMDb


Com o tempo, os designers foram percebendo toda a versatilidade desta peça que pode adaptar-se facilmente a qualquer look ou estilo: masculino, feminino, formal e casual, clássico ou moderno. O melhor é invocar a Teoria da Evolução de Darwin para explicar por que razão o trench nunca sai de moda. Nem vai sair.

 

 

Saiba mais Trench coat, história, sucesso, moda, tecidos, cores, Hollywood
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