Estilo / Guia de Compras

Gentlemen’s Club? Donald Trump não entra!

Por mais poderoso que seja, o atual Presidente dos EUA nunca poderá fazer parte deste clube de cavalheiros. A sua declarada falta de estilo, a par com uma personalidade agitada colocam-no a milhas deste elegante grupo de homens. Retrato não oficial das lendas que nos inspiram, da boémia de Kerouac à sofisticação contida dos Kennedy.

Foto: Instagram @realdonaldtrump
05 de maio de 2020 | Maria Wallis

"I’m dressing up because, first of all, I’m alive. It’s a celebration itself." É assim que começa a conversa de Gay Talese no site The Department of Style, numa conversa publicada em 2014. O escritor americano (que em Fevereiro passado completou 86 anos) é, provavelmente, um dos homens mais bem-vestidos do mundo ? e o mundo é grande o suficiente para nunca termos visto os homens todos que nele habitam. Nem precisamos. Talese é refinado, inteligente e culto. É aquilo que hoje apelidamos de "cool": os fatos de três peças impecavelmente cortados, os sapatos feitos por medida, os chapéus que resgatam o allure de outros tempos, o uso destemido da cor (casacos de veludo bordeaux, gravatas amarelas, azul Klein, em look total).

Todos os dias são dias para Gay Talese se vestir o melhor possível. Sempre foi assim. Ele é o nova-iorquino que personifica os dias perdidos da cidade que nunca dorme. Na década de 60, os seus artigos para a Esquire e para o The New York Times ajudaram a impulsionar o nascimento de um novo tipo de Jornalismo, mais literário (apelidado de New Journalism), e Talese começou a destacar-se não só como repórter mas também como uma figura distinta e cordial que usava a roupa para "honrar" a história que tinha entre mãos, a cada momento. A lenda estava criada. Em 2007, fez parte da International Best-Dressed List da Vanity Fair e, nos últimos tempos, tem aberto as portas de sua casa a uma série de publicações para dar a conhecer os tesouros do seu valiosíssimo guarda-roupa: "As minhas roupas são muito antigas, mas nunca passam de moda porque nunca ‘foram’ moda", explicou na entrevista supra-citada. O gosto por vestir bem vem-lhe de família ? o pai era alfaiate e a mãe tinha uma loja de roupa. Ainda hoje muda de roupa três vezes por dia. Vestir-se para jantar é para ele especialmente importante. É um acto que se foi perdendo no tempo, mas que ele mantém, diariamente, mesmo que a refeição ocorra num restaurante de esquina. Extravagância? Ele prefere encará-lo como "frugalidade criativa". Será Talese um alien no meio de um mundo com demasiada pressa para receber o próximo pedido de take away? Em 2016, o autor resumiu a sua filosofia ao Village Voice: "Não sou elitista ? simplesmente não quero estar tão misturado com toda a gente. O que significa isso? Atenção aos detalhes, um estilo especial. Significa nada de ‘casual Fridays’; não ter uma atitude relaxada para ir ao Central Park. De manhã, levanto-me e penso no que tenho de fazer. Às vezes, não é nada! Apenas descer as escadas para trabalhar no meu bunker [nome que dá ao seu escritório]. Mas visto um fato ou um casaco, ainda assim. Costumo vestir-me para o final do dia e, normalmente, uso um fato mais escuro para sair."

Gay Talese
Gay Talese Foto: Jim Spellman/WireImage/Getty Images

ABC de um ícone de estilo

Numa altura em que somos inundados, diariamente, com centenas de imagens de street style e de outfits of the day é interessante relembrar as palavras de Talese ? elas ajudam a entender parte dessa nebulosa questão que é o "estilo masculino". O que é que o escritor americano tem em comum, por exemplo, com o futebolista George Best ou com o cantor Brian Ferry? O carisma. A atitude. Aquilo a que, nas mulheres, chamamos je ne sais quoi. Sim, há uma série de qualidades que um homem deve ter para ascender à categoria de style icon ? e para ser visto como tal por todos os outros. Não somos (só) nós que o dizemos. Assim as resumia Dylan Jones, editor da GQ britânica, à CNN: "Em primeiro lugar, precisa parecer effortlessly cool, como se não tivesse tentado muito. É por isso que ainda reverenciamos homens como Steve McQueen e Hunter S. Thompson, homens que são admirados pelas carreiras que escolheram, bem como pela forma arrogante como se vestiam (por vezes, apenas de jeans e T-shirt)." Por outro lado, ajuda ser uma espécie de "dissidente do vestuário, alguém como David Bowie ? não que haja alguém remotamente como David Bowie ? que vá na contramão e que genuinamente lidere a Moda, em vez de a seguir ou interpretar". Finalmente, existem casos como David Beckham, "um homem comum que passou a maior parte da sua carreira pós-futebol a transformar-se numa marca de sucesso e fazendo-o de uma forma que agrada aos homens que talvez não gostassem dele quando era jogador no Manchester United". Estas regras, mesmo que não oficiais, são esclarecedoras. Os homens só aparentemente não estão atentos aos pormenores. Mais ainda: os homens são muito mais exigentes na altura de eleger um ícone de estilo. Não basta ser bonito/rico/vestir as roupas da moda (riscar o que não interessa). É preciso ser, como tão bem refere Dylan Jones, effortlessly cool

Tom Wolf
Tom Wolf Foto: Dave Buresh/The Denver Post/Getty Images

Best of the best

O panteão dos homens-com-muita-classe escreve-se com nomes tão diferentes como Hubert de Givenchy, Miles Davis, Yves Saint Laurent, Paul Newman, Pablo Picasso (precursor do estilo mediterrânico, ao mais alto nível), Marcello Mastroianni, Aristóteles Onassis (cuja imagem de marca, os óculos de sol, era comprada na maison François Pinton, em Paris, e que usava sempre uma gravata preta porque acreditava que essa coerência não revelava nada sobre o seu humor), Sidney Poitier, Truman Capote (um dandy assumido que primava pela extravagância), Andy Warhol, Cary Grant, Jack e Robert Kennedy. Sobre estes, que brilharam na subtileza e na simplicidade com que vestiam tanto roupa formal (fatos made in Saville Row ou gravatas Brooks Brothers) como informal (calças caqui, camisolas e pólos preppy), disse Thom Browne, designer americano: "Nos últimos 50 anos, sempre que a Moda se afastou do look Kennedy foi um erro." Depois, há os originais, aqueles cujo estilo se confunde com a personalidade: David Bowie (mestre da surpresa e da reinvenção que nunca deixou que o estilo se sobrepusesse à substância), Mick Jagger, Keith Richards, Basquiat (que tinha por hábito pintar vestido de Armani), Bob Dylan (um apaixonado por casacos de cabedal pretos que garante usar "desde os cinco anos de idade"), David Hockney, Lenny Kravitz, Beck (um habitué dos fatos slim de Dior), Andre 3000 ou Pharrell Williams. E há todos os outros. Actualmente, destacam-se actores como Eddie Redmayne, Tom Hiddleston, Idris Elba, Jeff Goldblum, Ryan Reynolds ou o chinês Hu Bing, modelos como Jack Guinness ou David Gandy e personalidades como o lutador irlandês Conor McGregor, o empresário Lapo Elkann, Jaime de Marichalar ou os duques de Feria. Em Portugal, o grupo deste tipo de homens é restritíssimo. Tínhamos Lucien Donnat, um dandy por excelência, e vão resistindo outros, como José Luís Barbosa (Arquitectónica/Espaço B), D. Pedro de Bragança (ou Pedro Lafões que de tão bonito, elegante e nobre de pose os irmãos o identificavam como o "cartão-de-visita" da família por esses atributos) ou o designer de moda Manuel Alves, todos distintos entre si, mas unidos pelo mettre en valeur pessoal que tão desacreditado está, nos dias de hoje. Numa perspectiva quase disruptiva, nós tivemos António Variações (numa versão algo encenada) e o homem da noite que foi, nos anos 80, o Zé da Guiné. Haverá muitos outros, por cá e lá fora, ilustres desconhecidos, famosos ocasionais que ora seduzem ora assustam o olho. Porém, a este grupo mais ou menos restrito nunca pertencerá Donald Trump.

Eddy Redmayne
Eddy Redmayne Foto: Valerio Pennicino/Getty Images

As regras da casa

Ninguém sugere que acabe de ler este artigo e vá a correr para uma loja de tatuagens para ficar com o corpo de McGregor (convenhamos, é mais fácil assim do que pelo ginásio!), nem que rebente o seu cartão de crédito para comprar os fatos de corte slim de Dior Homme que tão bem assentam no autor de Loser. Nada disso. Cada homem é uma raça, já escrevia Mia Couto. Tendo sempre presente que as regras são para serem quebradas, há duas ou três coisas a ter em conta no caminho para a originalidade: as tendências são o inimigo da personalidade ? imagina Mick Jagger a questionar-se sobre a popularidade dos jeans justos quando todos usavam calças à boca-de-sino? Não, pois não? Exato. Não vale a pena comprar tudo de uma só vez, nem de uma marca só ? de "banhos de loja" está o inferno cheio! Os sapatos importam ? invista sempre que possível, são eles que sustentam o peso do dia-a-dia. Investigue, procure, questione ? não há looks errados, há experimentações que não deram certo. Encontre peças que contem uma história (a sua, de preferência) e crie a sua própria linguagem. Não tenha receio de misturar cores e padrões, de pedir opiniões, no fundo, de se divertir ? é para isso que serve a Moda. A linha que divide o certo e o errado é muito ténue e o que resulta para uma pessoa pode ficar terrível noutra. Como lhe vamos mostrar a seguir, nem o homem mais poderoso do mundo consegue ser um ícone de estilo.

Lenny Kravitz
Lenny Kravitz Foto: Jason Merritt/Getty Images

Style game: you’re fired!

O dinheiro pode comprar muitos prédios na 5.ª Avenida, pode até facilitar o acesso à Sala Oval, mas quando o assunto é estilo a coisa muda de figura. Aqui, o adágio "Ou se tem ou não se tem" é quase sempre verdade. E, de forma dura e crua, Donald Trump não tem. A pele, de um tom impossível de definir (lembramo-nos dos turistas fotografados por Martin Parr, que se perdem na contemplação do astro-rei e se transformam em autênticas lagostas), o cabelo cor de palha penteado com doses industriais de laca (um misto de Wilma Flinstone, de Conan O’Brien e do boneco Troll), as gravatas XL e sempre abaixo do cinto, a forma hiperbólica como entra numa sala, o tom exagerado com que discursa, a risível gesticulação das mãos, o jeitolambão, arrogante, com que se dirige aos seus interlocutores. Tudo junto, em termos de estilo, menos um. Foi a esta personagem caricata que se dirigiu, em Novembro de 2015, o artigo ‘Donald Trump thinks he’s a fashion critic. Heres’s what our fashion critic thinks about him’, publicado pelo The Washington Post e assinado por Robin Givhan. Na altura em que Trump era ainda candidato a candidato, a celebrada jornalista (Prémio Pulitzer, em 2006, pela sua contribuição como crítica de moda) não o poupou ao seu olhar crítico. "Trump não parece excessivamente moldado e isso é, provavelmente, uma das razões pelas quais o eleitor médio pode ouvi-lo bater no peito e relacionar-se." Apesar de ser multimilionário e usar fatos da reputada marca Brioni ("São sempre espaçosos demais, as mangas são demasiado longas"), o presidente mais parece o americano zangado de classe média que vive no interior do país. Além disso, assevera Givhan na sua leitura, "é preciso um tipo particular de confiança para vestir bem ? não de forma extravagante, mas com elegância discreta". E continua: "Significa estar disposto a dar um olhar demorado não por causa de algo óbvio ou estridente mas por causa da eloquência de uma subtileza. Significa confiar no poder de um sussurro." Mas essas características, já se sabe, Donald Trump não tem. Porque o estilo também se baseia no respeito que temos por nós próprios. Quando explica porque se dá ao trabalho de vestir o melhor possível, mesmo quando vai para lugares onde ninguém sabe quem ele é, Gay Talese dá a melhor lição de estilo (e classe) que o Donald nunca irá ouvir: "Eu preocupo-me com a impressão que passo na rua, mesmo quando estou entre estranhos. Quem é que me conhece no Colorado? Ninguém. Mas eu conheço-me no Colorado!"

 

 

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