Conversas

“Caribou funciona como um diário musical ou um álbum fotográfico”

Em entrevista à Must, Daniel Snaith conta como foi crescer numa pequena cidade do Canadá, a mudança para Londres, e como a descoberta constante de novas sonoridades continua a inspirá-lo.

18 de fevereiro de 2020 | Rita Silva Avelar

Por detrás de Caribou um dos nomes mais cool da eletrónica contemporânea, está Daniel Snaith (1978, Dundas, Canadá). Filho de pais britânicos, o artista e produtor vive em Londres, onde compõe e produz a sua música. Após cinco anos de "ausência" como Caribou, apresenta Suddenly, um disco de estúdio que marca um regresso às suas origens, e que se segue a The Milk Of Human Kindness (2005), Andorra (2007), Swim (2010) e Our Love (2014).

Dan Smith, como assim é conhecido, deu-se a conhecer como artista no início do milénio (primeiro como Manitoba, depois como Caribou) com os discos Start Breaking My Heart (em 2001) e Up in Flames (em 2003). Paralelamente a Caribou, Smith tem um disco lançado em nome de Daphni – Jiaolong, 2012 – como DJ, que nasce da sua paixão pelas club e house music e pelos discos raros. Suddenly chega a 28 de fevereiro pela Merge Records, e Caribou atua a 10 de julho no NOS Alive (Palco Sagres).

Nasceu em Dundas, em Hamilton, no Canadá. Como recorda a cultura musical deste local à medida que foi crescendo?

Era uma pequena cidade engraçada, com uma espécie de revivalismo hippie. Durante o meu tempo de liceu, a música mais popular era Grateful Dead, The Doors, Pink Floyd…e eu também acabei por absorver essa cultura. Era na altura em que o grunge estava a acontecer, e os Nirvana eram "a cena". Havia apenas um pequeno nicho de pessoas interessadas em música contemporânea.

Em que medida a música dessas décadas influenciou a sua identidade no projeto Caribou?

Como colecionador de discos desde miúdo, procurava por rock psicadélico. A música psicadélica dos anos sessenta e setenta está definitivamente presente na minha música. Mas, depois dessa fase, absorvi "muita música", de hip hop à eletrónica… E hoje considero que tenho um gosto eclético. Na pequena cidade em que cresci não me liguei a um único género, queria conhecer tudo. Ao contrário do que acontece quando se cresce numa grande cidade, ali não havia assim tanta acessibilidade à música.

Há mais alguém ligado à música, na família?

Os meus pais são emigrantes britânicos, e portanto adoram música inglesa old folk, e quando eu era pequeno também me interessava por o que eles ouviam. Havia sempre imensa música a tocar em minha casa, eu tenho duas irmãs mais velhas que tocavam piano e violino. O meu pai tocava violino, guitarra flamenca, instrumentos como o acordeão… e a minha mãe tocava piano. Havia sempre música em casa, e eu próprio comecei a tocar piano bastante cedo.

Mudou-se para Londres a certa altura. Sentiu que era o epicentro da cultura musical?

A minha irmã mais velha mudou-se para Londres para estudar, oito anos antes de mim. Eu costumava vir e ficar alguns dias, absorvendo o máximo de cultura. Dois anos antes de me mudar para Londres passei um verão inteiro em Bristol onde a minha outra irmã vive, e fui a um festival. Londres já estava nos meus planos, porque sabia que era onde se passava tudo relativamente à música. Comecei por vir estudar, mas sabia que era onde queria produzir a minha música.

Suddenly sai após cinco anos de radio silence, para os fãs de Caribou. O que idealizou para este disco?

Não fazia ideia daquilo que estava a começar. Estive em tour e a criar para Daphni, até que pensei que gostava de fazer um novo disco Caribou. Para mim é sempre uma experiência exploratória, eu criou sempre muitas músicas que depois não uso. Nos meus últimos cinco anos passei por muitas mudanças, certos eventos mudaram muito a minha vida a nível pessoal e isso reflecte-se no disco. Mas não era essa a intenção, só depois percebi que tinha documentado estes últimos anos num disco.

Suddenly, um disco de estúdio que marca um regresso às origens de Caribou.
Suddenly, um disco de estúdio que marca um regresso às origens de Caribou.

As músicas têm crescendos e cadências que são muito inesperados, que vão de um registo mais melancólico a um mais divertido numa questão de segundos. Era a intenção?

O disco reflecte as mudanças, os altos e baixos, e as variações que a minha vida sofreu nos últimos anos. Eu vejo este disco como um agradecimento às pessoas que me tem apoiado ao longo destes anos, por isso queria que fosse um disco polido e direto em todos os sentidos. De início queria que fosse a versão mais pop da minha música imaginada, sem que isso fosse algo negativo, o que acabou por surtir o efeito contrário. Desde o início, incluí todas aquelas coisas estranhas e excêntricas que acabaram por enfatizar o meu trabalho, como essas transições inesperadas numa música.

O single Home, por exemplo, inspira-se em Gloria Barnes. É uma dessas pessoas que adora descobrir "nova" música antiga?

Eu considero-me um fã da música antes de ser um criador de música. Estou em constante descoberta de artistas antigos que não conhecia, logo que se tornam novos para mim. E esta paixão é algo que partilho constantemente com os meus amigos. Encontrei Gloria Barnes no Youtube. E descobri que os primeiros segundos da música Home são um loop perfeito, e coloquei-lhe um beat em som de fundo. É algo que os produtores de hip-hop fazem com frequência: descobrir um loop e depois recontextualizá-lo para fazer qualquer outra coisa com ele. Esse single demorou um ano a compor-se. Achava a música incrível mas não sabia o que fazer com ela. Fi-lo com interesse e curiosidade.

O que é que Caribou reflecte de si enquanto artista?

Por um lado, Daphni é um género musical muito específico e diferente, feito para ser tocado em clubes, é um propósito específico como DJ. Por outro lado, Caribou funciona como uma compilação de tudo aquilo que eu gosto, é como um diário musical ou um álbum fotográfico. Tem influência de dance music, sim, mas reflete muito o meu registo pessoal enquanto compositor. É assim o meu grande projeto musical ao nível da composição, e que "documento" de forma constante.

O que é que mais mudou em 20 anos, na indústria musical?

Se recuar até um pouco mais de 20 anos, quando eu era adolescente, recordo o meu desespero em encontrar nova música. Não conseguia. Não tínhamos uma boa loja de discos na cidade, só conseguia aceder a novos "materiais" através de amigos. Hoje, a maioria das pessoas consegue aceder a todas os discos editados no mundo, a qualquer momento. Essa é a grande mudança, pelo menos para mim, e maravilhoso.

No verão virá a Lisboa. É uma cidade onde gosta de tocar?

Sempre que vou a Portugal é incrível, seja com a banda ou como Daphni a tocar. Já toquei no Lux Frágil várias vezes, aliás, é um dos meus sítios preferidos para tocar. Também já tenho amigos portugueses, sobretudo em Lisboa. Estou entusiasmado por voltar!

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