Conversas

Banda sonora para a vida

Chama-se O Método mas nasce do rasgo de indisciplina de um talento nato. Escutámos o mais recente trabalho de Rodrigo Leão, que se aventura agora num território mais eletrónico.

21 de fevereiro de 2020 | Rita Lúcio Martins

É o mesmo Rodrigo Leão de sempre, aquele que encontramos num hotel do centro da cidade. Reservado, discreto, modesto. Sempre disponível para falar do seu trabalho ou olhar a sua já longa carreira, não dando sequer espaço para que o coloquemos num pedestal. E razões para isso não faltam. Nome incontornável da música portuguesa contemporânea, conta com 27 anos de carreira a solo, iniciados após projetos tão marcantes como foram a Sétima Legião e os Madredeus. Pelo caminho, assinou bandas sonoras para filmes como The Butler ou A Gaiola Dourada, musicou exposições [de Vieira da Silva, em 2019] e documentários [Portugal, Um Retrato Social, do professor António Barreto e da realizadora Joana Ponte, de 2007]. Colaborou com nomes de peso como Beth Gibbons (dos Portishead) Stuart Staples (dos Tindersticks) Neil Hannon (dos Divine Comedy), mas também Ryuichi Sakamoto ou Ludovico Einaudi… E a lista volta a crescer com O Método, 23º álbum de originais, agora lançado, onde conta, entre outras, com as colaborações de Federico Albanese, do coro da Associação Musical dos Amigos das Crianças ou de Casper Clausen [vocalista do grupo dinamarquês Efterklang] que interpreta The Boy Inside, a única canção do disco cantada em inglês. "Começou por ser inspirado pelos sinos que ouvi de uma catedral em Antuérpia, na Bélgica. Mas também por um coro que tive a sorte de ouvir na igreja de Loutolim, em Goa, e num livro que estava a ler na altura, O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati. O tema começou por me transmitir algum mistério, alguma inquietação, vindas destes três momentos… Por sugestão do nosso coprodutor, Federico Albanese, que toca nesta peça, acabámos por convidar um cantor que admiro muito, o Casper Clausen dos Efterklang, para escrever uma letra e cantar no tema. Eu já conhecia o trabalho do Casper e fiquei muito feliz por poder convidá-lo. E acontece que ele está agora a viver em Lisboa!", explica Rodrigo.

Agora mais interessado nas sonoridades ambientais electrónicas, o músico admite que este foi o álbum que lhe levou mais tempo a concluir, precisando de mais de dois anos até que o caminho a seguir se tornasse perceptível: "[Isso aconteceu] primeiro porque vinha no seguimento de três trabalhos muito diferentes: A Vida Secreta das Máquinas, onde fiz uma primeira aproximação à música eletrónica, concretizado em dois meses; o Retiro, feito em conjunto com a Orquestra da Gulbenkian; e Life is Long, com Scott Matthew, mais pop alternativa. Depois destas fases eu sabia que queria procurar um caminho diferente". Influenciado por compositores como Nils Frahm, Ólfafur Arnalds, Ludovico Einaudi e toda uma nova corrente de músicos alemães e islandeses que utilizam a eletrónica, ainda que de uma forma mais discreta, revela que também perdeu o medo de tocar piano acústico. "Eu não sou pianista, mas este é, talvez, o disco em que toquei mais piano".

O novo disco de Rodrigo Leão.
O novo disco de Rodrigo Leão.

Como sempre, tudo começa em casa ou estúdio, invariavelmente com uma boa dose de solidão. Rodrigo coloca os auscultadores e, entre as seis da tarde e as cinco da manhã, "sai" à procura de ideias. "Se dividíssemos o processo em duas partes, uma delas seria influenciada pelos sítios onde eu estive, pelas coisas que eu vi e, depois, há algo de mais abstrato e difícil de explicar que vem de dentro. Mas a minha inspiração chega de todo o lado: das pessoas, das viagens, dos filmes que vejo, dos livros que leio". E, claro, da família. Neste álbum, essa presença torna-se ainda mais evidente, nomeadamente no single A Bailarina, que conta com a interpretação da filha: "Eu trabalho muito em casa e, às vezes, chamo a Sofia ou a Rosa [as filhas]. Elas cantam ali mesmo e eu gravo. Às vezes até tentamos replicar a música em estúdio, mas não sai tão bem e acabamos por usar a gravação feita em casa que, apesar de não ter um som tão bom, tem mais energia. Eu tenho muito essa necessidade de ir mostrando às pessoas que me rodeiam as coisas em que vou trabalhando". E acrescenta: "Eu não tenho o feitio de achar que tenho de ser eu a decidir tudo. Gosto de ouvir a opinião dos outros. Muitas vezes são eles que me dizem que é preciso melhorar".

Rodrigo Leão
Rodrigo Leão Foto: Augusto Brazio

Com o disco já a tocar em rádios nacionais e internacionais, é tempo de levá-lo para a estrada. Homem de afetos, Rodrigo confessa que não é grande adepto de longas digressões que o afastem muito tempo da mulher e dos três filhos. Lisboa e Porto [o Centro Cultural de Belém a 27 de fevereiro e a Casa da Música a 9 de março] são assim destinos óbvios para apresentar este novo método ao público: "Os concertos vão-se construindo com a prática. Ao fim de cinco [espetáculos] as coisas fluem, ao fim de 10 estão mais sólidas, mas são sempre diferentes, até em função do público. E isso é bom. Eu tenho uma necessidade de não estar sempre a fazer a mesma coisa. E talvez seja por isso que a minha música tenha influências tão diferentes e que vão da pop britânica ao tango, passando pela música clássica, pela francesa, pela brasileira… É importante sentir essas variações e não estar sempre a fazer as mesmas coisas com os mesmos cantores. Eu oiço muitos estilos de música e até gostava de ouvir mais [estilos]. Tenho coletâneas com músicas que os meus amigos fazem questão que eu oiça. Tenho muito bons amigos e essa é uma das coisas mais importantes."

Saiba mais Rodrigo Leão, Portugal, Madredeus, Divine Comedy, Sétima Legião, The Boy Inside, Associação Musical dos Amigos das Crianças, Vieira da Silva, A Gaiola Dourada, Ludovico Einaudi… E, António Barreto, Joana Ponte, Beth Gibbons, O Método
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